J. M. Beraldo apresenta um interessantíssimo cenário de Space Opera em Jogos de Guerra
Quem curte Literatura Fantástica há muito tempo, se nasceu e vive no Brasil, já pensou nisso. Normal, em algum momento, o sentimento de falta de protagonistas e demais personagens de apoio que tragam nossa nacionalidade, dependendo da idade dos leitores, claro. Isso vem mudando aos poucos pelo grande aumento de iniciativas locais, especialmente neste segmento, um esforço do qual J. M. Beraldo faz parte há bastante tempo. Jogos de Guerra é seu mais recente trabalho.
Beraldo, também game designer e criador de RPG’s, expande aqui a iniciativa multimídia Véu da Verdade, título de seu romance lançado em 2005. Os recém-chegados, no entanto, não precisarão de conhecimento prévio de obras anteriores para a leitura de Jogos de Guerra, autônomo e bem resolvido em sua própria narrativa, onde o mundo ficcional e as circunstâncias específicas demonstram a meticulosidade exigida nas outras atividades do escritor.
A trama nos transporta para 2143, momento em que os povos da Terra ainda estão longe de superar suas diferenças. O contato com culturas alienígenas e o avanço na tecnologia aeroespacial é um fator radical de transformação geopolítica, mas algumas coisas permanecem bizarramente semelhantes ao nosso presente. A instabilidade na África, por exemplo, ainda como palco de guerras civis, apesar de ocupada por uma corporação com status de nação, denominadas corponações, algo comum no contexto do livro. É a partir de uma revolta na cidade de Kinshasa, onde os rebeldes misteriosamente utilizam tecnologia bélica avançada demais para suas condições, que uma ponta deste fio se revela.
O planeta está dividido entre corponações e outros blocos dominantes. Estados Unidos da América do Norte, União Europeia e Aliança do Sul, esta última com o Brasil em posição de destaque e convocada a formar uma força conjunta para lidar com a situação africana. É onde entra o Major Pedro Henrique “PH” Ferreira, piloto sobrevivente de um conflito histórico com a UE em território amazônico, liderando o Esquadrão Flecha, grupo competente, mas heterogêneo ao ponto de ser problemático.
O autor adiciona tensão ao conjunto, explorando o choque de personalidades, além do cultural. Sim, já que, além de animosidades comuns entre humanos, temos representantes alienígenas atuando com a força conjunta da Aliança do Sul e tropas africanas. O piloto Rekysa, da belicosa e tradicionalista espécie nabora, e o representante celoniano Go-i Ty, copiloto de Ferreira.
A presença celoniana traz um ar de mistério bem vindo à trama, pois a espécie em questão é bem mais evoluída e, por isso mesmo, arrogante ao extremo. Questiona-se a o motivo de seu envolvimento direto ali, algo que ultrapassa o discurso oficial da conveniência diplomática. Suas constituições físicas, que lembram os alienígenas tradicionais dos relatos de abdução, geram diálogos curiosos e, além de tudo, ninguém sabe ao certo até onde vão suas capacidades psíquicas naturais.
Muita ação em um pano de fundo detalhado
Longe de buscar um rigor científico de uma Ficção Científica clássica, Jogos de Guerra investe mais nos meandros geopolíticos, com uma linha do tempo no início que contextualiza os leitores, e na ação dos confrontos armados. Apesar disso, procura detalhar a tecnologia geral e os tantos equipamentos e veículos militares. Além das naves de todo tipo, armamentos manuais variados e armaduras de combate sofisticadíssimas desfilam por essas páginas aguçando a imaginação do leitor. Não faltam momentos, inclusive, em que isso tudo é fartamente utilizado, em meio o desfiar do emaranhado conspiratório por trás da situação principal.
J. M. Beraldo deixa algumas pontas a se resolver, pois existem muitos conflitos pessoais além da guerra em si, o que não é um problema em si dentro da expansão em curso deste universo. A ressalva fica por conta de que alguns de que tópicos acabam por deixar uma sensação de incompletude. Fora isso, com tanta informação por volta da metade do livro, complica um pouco para o leitor situar-se. Outro problema, este talvez mais relativo, é uma preocupação em fazer uma ligação mais didática com certas lendas que circulam na vida real, o que muita gente já poderia concluir com passagens mais enxutas.
Mesmo assim, Jogos de Guerra cumpre bem seu papel e recompensa quem chega ao final, misturando boas doses de ação com um contexto mais intrincado. O ar militarista pode lembrar algo de Robert A. Heinlein (de Tropas Estelares) ou Orson Scott Card, mas o autor tem sua voz característica e voa em seu próprio estilo. Se o Véu da Verdade continuar gerando derivados interessantes e divertidos como esse, a Literatura Fantástica brasileira e seus fãs agradecem.