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Isaac Asimov além da robótica!

Isaac Asimov quase sempre é associado à histórias envolvendo robôs. Nada mais previsível, visto que, grande parte de sua obra é voltada para falar sobre os seres autômatos e que ele próprio criou o termo “robótica“, mas as narrativas do autor vão muito além desses humanoides de metal. Asimov escreveu diversas histórias que ultrapassam as estruturas que compõe a matéria e que, mesmo extrapolando nosso conhecimento sobre o Universo, ainda falam sobre questões e conceitos intrínsecos à humanidade desde que começamos a raciocinar sobre nós mesmos.

A ideia deste artigo é falar um pouco sobre cinco contos que estão entre os meus favoritos do escritor, fora do tema pelo qual ele é mais lembrado. Em alguns momentos há spoilers leves, mas não se preocupe com isso. O importante dessas obras não é a revelação final (mesmo que alguns finais sejam de fato surpreendentes), mas os conceitos e temas sobre os quais elas tratam.

Isaac Asimov (1920 - 1992)

Isaac Asimov (1920 – 1992)

 

A Sensação de Poder (escrito em 1957)

Nesse conto, Asimov nos mostra um futuro distante em que os seres humanos se acostumaram tanto com os computadores de bolso (muito similares às nossas calculadoras), que acabaram perdendo a capacidade de fazer contas por si só. Em meio à líderes, generais e matemáticos que não conseguem completar nenhuma linha da tabuada, Myron Aub, um simples técnico de idade avançada que nunca havia passado em nenhum tipo de seleção e havia se contentado com trabalhos não especializados, chama a atenção por sua habilidade única: a capacidade de fazer cálculos sem usar o computador de bolso. Motivo de espanto e admiração de pessoas com cargo muito mais elevado, Myron demonstra como consegue realizar tal feito usando apenas lápis e papel.

Esse conto é visionário? Serve como uma previsão conceitual de um futuro? É provável que sim. Felizmente, esse cenário pavoroso de uma super dependência intelectual de máquinas para a realização de tarefas simples não se concretizou – pelo menos ainda – em sua totalidade. Usamos determinados apetrechos apenas para facilitar e agilizar determinadas coisas, como contas por exemplo – pelo menos assim gosto de acreditar. Entretanto, esse cenário não está muito longe de ser concretizado, olhando de uma certa forma. Lembro da minha época de ensino fundamental em que era preciso escrever à mão folhas e mais folhas de cada matéria estudada. Atualmente, meu punho já começa a demonstrar sinais de incômodo antes mesmo de terminar a segunda página. Espero que nossos cérebros não sintam tais câimbras no futuro.

Ilustração do conto por Ralph McQuarrie

Ilustração do conto por Ralph McQuarrie

A Bola de Bilhar (escrito em 1967)

Essa história é sobre o conflito entre os personagens James Priss e Edward Bloom, que eram colegas na faculdade. Priss é um físico teórico brilhante, mas seu jeito extremamente cauteloso e lento ao raciocinar contrasta com Bloom, que é muito mais impulsivo e rápido, sem ter muita paciência para a teoria e parte logo para a prática. Priss era reconhecido como um grande acadêmico e Bloom como um ótimo inventor. Como as invenções sempre ganhavam mais fama que a teoria, Priss sempre sentiu certa inveja de seu antigo colega e até inconformismo pelo descaso que tinha com a parte teórica. Durante uma apresentação de um invento de Bloom, que consistia em deixar uma bola de bilhar em um estado de gravidade zero, Priss foi convidado a testar o aparato. Assim que deu a tacada, a bola passa por uma região que a fez atingir a velocidade da luz instantaneamente e atravessa o corpo de Bloom, que cai morto no chão. A questão é se essa morte foi intencional ou um trágico acidente.

Talvez este seja um dos contos mais instigantes para aqueles fascinados por ciências, principalmente a Teoria da Relatividade de Einstein. O conto discorre através de discussões de como deixar um objeto em gravidade zero, aceleração à velocidade da luz, movimento contínuo, entre outras, o que pode afastar os que preferem mais o estilo soft-science (segmento da ficção-científica que não foca na ciência real). E mesmo que o conto tome algumas liberdades que vão contra a física*, ainda assim utiliza a ciência real como elemento narrativo principal.

*Partes da bola de bilhar penetram nessa região, que as aceleram à velocidade da luz instantaneamente, antes de outras partes. Logo, a bola iria se pulverizar, mas permanece um único bloco intacto.

Ilustração de Ralph McQuarrie para a capa da coletânea Sonhos de Robô

Ilustração de Ralph McQuarrie para a capa da coletânea Sonhos de Robô

O Que os Olhos Vêem (escrito em 1965)

Com certeza, um dos contos mais abstratos de Asimov. Aqui estamos a centenas de bilhões de anos no futuro e testemunhamos a conversa de dois seres que são formados de pura energia. A comunicação entre eles se dá com alinhamento de força, vibrações energéticas e mudanças de fases. Um deles chamado Ames, começa a refletir sobre novas formas de arte e incita a outra entidade, chamada Brock, a se lembrar de como eram os seres de antigamente quando ainda eram feitos de matéria. Ames recolhe átomos esparsos em anos-luz cúbicos de seus arredores e junta todos até formarem uma espécie de argila moldada até se assemelhar à forma de uma cabeça humana.

O que mais encanta no conto é que por mais que seja um diálogo extremamente aquém de nosso dia-a-dia, com seres que nem mesmo são feitos de matéria, ele faz com que admiremos tudo ao nosso redor. A beleza das coisas feitas a partir do que é palpável é o cerne deste conto. Seu tom possui uma enorme carga depressiva para os personagens, mas nós, enquanto leitores, estamos vivendo o momento responsável pela nostalgia de Ames e Brock. Se pararmos um único instante para vislumbrar a real natureza das coisas, o deleite pelo conto é ainda maior. Pensar que tudo ao nosso redor, inclusive nós, é formado pelos mesmos elementos que compõe estrelas longínquas, e que podemos perceber de diferentes maneiras tudo à nossa volta, nos faz sentir pena desses seres evoluídos que vivem em um futuro distante, vazio e gelado. Sem forma e sem preocupações, sua única emoção é apenas a nostalgia de um tempo praticamente imemoriável.

Ilustração do conto por Ralph McQuarrie

Ilustração do conto por Ralph McQuarrie

 

A Última Pergunta (escrito em 1956)

A narrativa do conto A Última Pergunta se inicia no ano de 2061, quando dois técnicos meio bêbados resolveram, de brincadeira, fazer a pergunta “Como reverter a entropia*?” para o Multivac, um gigantesco computador que acumula dados e é capaz de responder a praticamente qualquer questão que alguém proponha. Entretanto, o supercomputador responde apenas com “Dados insuficientes para resposta significativa“. A partir de então, o conto percorre toda a história da humanidade, parando em alguns momentos em que essa pergunta é refeita e recebe sempre a mesma resposta. Testemunhamos a colonização de outros planetas e até a evolução do ser humano se transformando em uma entidade estendida no Universo, que livra-se do corpo material assim como o próprio Multivac, que passa a ser chamado de AC. Em um futuro a trilhões de anos de distância, o Universo morre e a única coisa que ainda vaga no vazio é AC. Após ter colhido todos os dados possíveis do Universo, AC pensa na única pergunta que ficou sem resposta. Como o próprio conceito de tempo já não existe, não é possível estipular quanto tempo AC ficou pensando, mas eventualmente chega em uma resposta.

*Entropia é a quantidade de energia gasta do universo.

Claro que não vou revelar o final desse conto. Você merece ser surpreendido pelas palavras de Asimov e não pelas minhas.

Nesse conto, o autor condensa a história do Universo entre 2061 e o fim das estrelas e galáxias em apenas 15 páginas. Não é preciso dizer que o final é o grande chamariz e o estopim para inúmeras interpretações, mas todo o processo também é interessante. Conforme avançamos na história da raça humana, o autor nos mostra o tipo de preocupação que cada estágio evolutivo possui até chegar na questão da entropia. No final das contas, percebemos o quão pequenos somos. Não importa nossos avanços nem conquistas. No fim, tudo se perderá. Ou será que não?

Ilustração de como seria o Multivac em seus primórdios

Ilustração de como seria o Multivac em seus primórdios

 

A Última Resposta (escrito em 1979)

Em A Última Resposta acompanhamos o físico Murray Templeton, que acabou de morrer. Após a dor repentina, Murray foi ficando cada vez mais relaxado até não sentir mais nada. Ao abrir os “olhos” – entre aspas, pois não são olhos de verdade –, ele testemunhou a cena de sua própria morte vista de cima, como se estivesse flutuando, surpreendendo-se ao constatar que havia “vida” após a morte. Depois, em meio à escuridão, Murray viu uma figura iluminada com aparência vagamente humana, denominada como A Voz, que começou a se comunicar com ele. A entidade não explica o que é, pois não é possível que um ser humano compreenda. Durante o diálogo, o protagonista tenta entender o que está acontecendo e descobre que, na verdade, ele é simplesmente um conjunto de forças eletromagnéticas que foram dispostas de forma que ficassem exatamente iguais a de seu cérebro quando ainda era vivo. Conforme a conversa avança, ele perde a paciência com A Voz e pensa em sua origem, em maneiras de desfazer a conexão ou até mesmo destruí-la. E como o tempo não fazia mais sentido naquelas condições, Murray pensaria sobre essas coisas para sempre – isso se o “sempre“ fizer sentido nesse status quo.

O interessante nesse conto é o caráter de autodescoberta. Fluindo praticamente como uma dialética ascendente, em que perguntas e respostas vão sendo feitas sobre determinado assunto até que se chegue à sua essência, Murray Templeton tenta se descobrir novamente dentro desse novo “algo”. É claro que tudo tem um preço. E essa ânsia que Murray tem desde quando era vivo de saber o máximo possível sobre como o mundo funciona, acaba sendo sua sina.

Pôster feito de brincadeira para uma adaptacão cinematográfica do conto, tendo Alejandro Jodorowsky como diretor. Arte de Andy King

Pôster feito de brincadeira para uma adaptacão cinematográfica do conto, tendo Alejandro Jodorowsky como diretor. Arte de Andy King

 

Alguns de vocês devem estar se perguntando como O Cair da Noite não está nesta lista. A resposta é que já falei sobre ele, e você pode ler minha análise sobre este incrível conto clicando no link acima.

Quando falamos sobre ficção-científica, normalmente entra em pauta um clichê que diz mais ou menos assim: “toda boa ficção-científica fala sobre o presente e não sobre o futuro”. É verdade que boa parte das obras desse gênero literário segue esse conceito e são incríveis. Colocar os seres humanos ou seres análogos a nós, em uma situação extraordinária em outro mundo – seja ele um outro planeta, outro universo ou o que o autor inventar – sempre foi uma ótima forma de pautar os temores e os problemas fantasmagóricos da sociedade da época. Todavia, algumas histórias provam que nem sempre para ser boa tem que falar sobre o presente. Em muitas de suas narrativas, Isaac Asimov fala não apenas do presente, mas também do passado, do futuro e desconstrói o conceito do ser humano para reconstruí-lo junto com o leitor, para que no final haja a percepção de que essa definição não é concreta, mas líquida e que está em constante movimento e assim sempre será. Pelo menos até a entropia.

Já falamos sobre outras obras de Isaac Asimov: Eu, Robô, As Cavernas de Aço e O Fim da Eternidade.

Ouça também o episódio 44 do FormigaCast, onde falamos sobre Isaac Asimov!

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