Representação racial e estereótipos analisados em Horror Noire
Eis um assunto que precisa ser discutido, mas foi ignorado por muito tempo. O retrato do Negro no Cinema é um caso complicado, com vários episódios indefensáveis ao longo das décadas, passando pelo uso do famigerado blackface até a indiferença pura e simples da indústria. No Terror, um gênero com muito potencial para alegoria e metáfora, a coisa não foi menos difícil. Por isso, a Dra. Robin R. Means Coleman se ocupou de uma pesquisa extensa, dando origem ao ótimo Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror (Horror Noire: Blacks in American Horror Films from the 1890s to Present).
Fruto de uma geração que foi pega de surpresa por George A. Romero, com seu seminal A Noite dos Mortos-Vivos, de 1968, a autora, apesar da pouca idade, percebeu que havia algo de especial ali. Ela, além de seus familiares e amigos, viram ali um personagem que transcendeu os limites impostos pela cor de pele. Ben (Duane Jones) estava longe de um Sidney Poitier em No Calor da Noite, mas teve a vantagem de protagonizar um filme de apelo mais popular. Seu destino final, bem menos triunfante que o do personagem de Poitier, não diminuiu seu caráter de divisor de águas.
Buscando mapear como o Terror utilizou a imagem dos negros desde o fim do século XIX, a Dra. Coleman trouxe inúmeras informações e interpretações muito interessantes para os fãs do gênero. Até mesmo as origens dessas tentativas de provocar medo são examinadas à luz da questão racial, o que a leva para selvas e cultos Vodu nos primeiros anos da Sétima Arte. Cada década tem suas particularidades neste tratamento, delimitando cada capítulo e apontando erros e acertos do ponto de vista conceitual.
Sob essa ótica, são enquadradas também, enriquecendo o escopo do texto, criaturas não-humanas nas quais ela aponta algum tipo de signo que as codifica para esse raciocínio racial. King Kong e O Monstro da Lagoa Negra, por exemplo, são comparados – de forma pertinente – ao vilanesco Gus, de O Nascimento de Uma Nação. O conceito do “Outro”, indesejado e servindo como elemento de desequilíbrio em um contexto estável, também é abordado nestes meandros.
“Terror negro” e “Terror com negros”
Em Horror Noire, também é proposta e justificada uma diferenciação entre um “Terror com negros” de um legítimo “Terror Negro”. Claro que, no segundo caso, questões raciais precisam ser mais evidentes e essenciais ao roteiro. O ciclo setentista da blaxploitation fornece excelentes estudos de caso, reciclando velhas fórmulas, mas resignificando essas figuras para uma nova audiência. O que, aliás, não excluía a plateia tradicional, que também se divertia com as novas tendências.
Blacula, O Vampiro Negro foi um sucesso que deu origem a outras releituras de conceitos clássicos, como Blackenstein e O Monstro Sem Alma, este último, uma versão adaptada de O Médico e O Monstro. Cada um é analisado de perto, provocando uma comparação imediata com seus pares e estabelecendo novas formas de representação. De lá até aqui, muita coisa mudou, com a década seguinte bem menos prolífica para esse nicho.
Após uma espécie de ressurgimento, a primeira década do século XXI viu a cultura hip-hop inserida em narrativas do segmento. Evidentemente, isso deu origem a filmes que entram na categoria do Terror Negro, mas a autora não cai nas armadilhas fáceis de assuntos controversos como esse. Em momento algum tais obras são colocadas acima do bem e do mal, deixando claro que não basta o código étnico para que o filme seja bom, ou sua mensagem final válida.
Concordando ou não com os argumentos expostos, Horror Noire é uma fonte de pesquisa inestimável. É conveniente ler com um bloco de anotações à mão, pois leitores descobrirão muitos filmes ali que valem muito uma sessão, tendo o olhar da Dra. Coleman em mente. A edição da DarkSide não decepciona, já que, além de seu projeto gráfico notável, traz como apêndice uma coleção de pôsteres dos longas comentados. As poucas e quase imperceptíveis falhas na revisão não são o bastante para negar uma nota máxima.
Com a informação e o prazer da descoberta caminhando lado a lado, a oportunidade de novas reflexões sobre o discurso dos filmes proporciona um exercício ótimo. Tão bom que até ultrapassa os limites da arte…