Cinefilia e os verdadeiros cinéfilos
Segundo o dicionário (que esta que vos escreve o consultou, sem antes notar o acúmulo de pó sobre o livro), a palavra cinefilia refere-se à admiração pelo cinema que vai além do assistir. Muitos por aí se intitulam cinéfilos por assistirem mais de cinco filmes por dia ou por darem conta de suas listas nas plataformas streaming, sempre atentos aos novos títulos do catálogo. Sinto informar que estas características não bastam para ostentar a força desta palavra. Isto porque a cinefilia nasceu junto com um movimento cinematográfico, a nouvelle vague, e seus integrantes não eram devoradores de filmes. Eram degustadores exigentes.
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Cinefilia (La Cinéphilie), livro escrito pelo historiador e crítico de cinema Antoine de Baecque e lançado no Brasil pela Cosac Naify, desvenda quem foram os jovens que mudaram o modo de fazer e assistir cinema nas décadas de 50 e 60. Mudança, aliás, é a palavra que move as mais de 400 páginas do livro. Baecque inicia sua pesquisa no início do século XX, período onde os primeiros cineclubes e escritos críticos sobre o cinema apareceram.
Apesar da aura de novidade, a revolução foi pouca. Os olhos do autor brilham (e quem lê suas páginas percebe isso) quando dedica-se a discorrer sobre um segundo momento da cinefilia francesa, a que nasceu na década de 40 e viu André Bazin, o maior dos críticos, apadrinhar garotos que fugiam da escola para ir ao cinema e faziam da Sétima Arte o assunto de suas vidas.
Um grupo que marcou o Cinema
Lá estavam François Truffaut, Jacques Rivette, Jean-Luc Godard e Claude Chabrol acompanhados por um novo público que era guiado por seus textos. A sala de exibição era pouco para essa turma. Discussões acaloradas em defesa de diretores e filmes, disputa pelas melhores poltronas, madrugadas insones assistindo e desvendando os mistérios de nomes como Alfred Hitchcock, Howard Hawks e John Ford. A razão de viver era o cinema. A existência só tinha graça por causa dos filmes. Ir ao cinema era um ato sagrado, que Baecque nomeia de cerimônia. Cinéfilos verdadeiros adoram transformar sessões em missa. O cinema é nosso pastor e nada nos faltará. Talvez dinheiro para os ingressos, mas isso é outra história.
(Confira também as resenhas de outras obras teóricas, como História do Cinema Japonês e Trajetória Crítica)
Cinefilia é rico em informações, um prato cheio para quem adora datas e dados. Por ter integrado a equipe da icônica revista Cahiers du Cinema, Baecque teve acesso a documentos importantes e fez entrevistas longas com quem viveu a nouvelle vague sem sequer chama-la por este nome. Era a efervescência de uma nova forma de desfrutar o cinema, que enxergava as produções de Hollywood além do lucro e da fórmula pronta, que via autoria em quem os mais velhos só enxergavam histórias bobas.
Recomendo duas leituras de Cinefilia. Uma, que pode ser a primeira, com olhos curiosos de pesquisador, para aprender ainda mais sobre essa fase tão importante do cinema mundial e que transformou a maneira como o cinema influencia a cultura e o comportamento. A outra, que pode ser mais demorada, é vê-lo como um romance, desses que a gente chega na última página com o desejo de encontrar um lugar com silêncio e pouca luminosidade para organizar uma sessão de um filme que mude o nosso humor. Ou a nossa vida.