Patricia Highsmith (1921-1995) ganhou fama após a adaptação do seu primeiro livro para o cinema. Strangers on a Train foi lançado em 1950, dando origem ao clássico homônimo de Alfred Hithcock (no Brasil, Pacto Sinistro) no ano seguinte. Hoje lembrada por uma produção literária de suspenses e thrillers psicológicos, seu segundo trabalho é um ponto fora da curva, que acabou rejeitado por sua editora graças ao seu conteúdo incomum, pelo menos para a época.
Não seria justo que um trabalho como esse morresse na gaveta e a insistência valeu a pena. The Price of Salt foi aceito em outra editora, publicado em 1952 – sob o pseudônimo de Claire Morgan – e tornou-se um sucesso, apesar de ser um livro sobre um romance entre duas mulheres, lançado no contexto ultra conservador dos EUA daquela década. Hoje rebatizado como Carol e publicado no Brasil com esse mesmo nome pela L&PM, essa obra ganha mais reconhecimento graças à sua recém-lançada adaptação cinematográfica, comandada por Todd Haynes e contando com a incrível Cate Blanchet no papel de Carol Aird.
Carol trouxe frescor para um ramo editorial acostumado ao retrato dos homossexuais como figuras estereotipadas ou trágicas. A personagem-título é uma mulher forte e sedutora, enfrentando um momento conturbado com um divórcio desgastante, causado pela divergência de opiniões com a tradicional família de seu marido. Ela também é mãe de uma garotinha de seis anos, tentando protege-la da carga negativa do seu casamento fracassado.
Na semana do Natal, ela vai à uma loja de departamentos para comprar uma boneca para a filha, conhecendo a atendente de aprendiz de cenografia Therese, uma garota de dezenove anos comprometida com um rapaz, mas insiste com esta relação apenas pelo receio da solidão, já que não conhece muitas pessoas na cidade. O encontro é descrito de uma forma bastante cinematográfica. Olhares que se cruzam em meio ao caos das compras de Natal, com sentimentos novos desencadeados em microssegundos, tanto em Therese quanto em Carol.
Interessante a opção de Patricia Highsmith por um núcleo pequeno de personagens, em um romance de cerca de 300 páginas. É quase uma história de formação, mas enfocando o lado emocional de Therese, que se apresenta tímida e sem perspectivas quanto ao seu relacionamento com Richard, cuja dinâmica amorosa é, no mínimo, esquisita, em um jogo de atração e repulsa. A atenção acaba por ser nela mesma, com seus sentimentos e dúvidas, não apenas sobre o que acontece em seu interior, mas também sobre aquela mulher que mudou toda a realidade conhecida por ela.
A autora soube ser política sem ser panfletária. Em um dos momentos, um personagem explicita a visão da sociedade da época sobre os relacionamentos homossexuais, demonstrando bem o peso do moralismo que esse momento específico dos EUA carregava. Com tudo isso, talvez alguns leitores estejam se perguntando agora: a quem se destina este livro?
Certamente, a qualquer adulto com um pouco de bom senso e minimamente ciente da realidade social. Patricia Highsmith nos deixou um romance elegante, sutil, sem qualquer descrição ofensiva ou de mau gosto. Como a contextualização é sempre importante em qualquer leitura, a coragem de escreve-lo – principalmente pelo período em questão – é um detalhe que faz toda a diferença.