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Candyman – Cada vizinhança tem seu próprio Horror!

Clive Barker e a alegoria da lenda urbana em Candyman

O público cativo de filmes de Terror lembra bem de O Mistério de Candyman (1992), produção do subgênero slasher com conteúdo sobrenatural. Mesmo que não tão popular quanto um Freddy Krueger, por exemplo, o personagem gerou uma franquia, com duas continuações inferiores ainda naquela década. Direto da mente macabra de Clive Barker (Abarat), a criatura surgiu em um dos volumes de Books of Blood, que reuniu vários contos do autor entre 1984 e 85.

Clique na imagem para comprarResenha Candyman, de Clive Barker

Integrando o quinto volume, The Forbidden apresentou o conceito que seria adaptado ao cinema menos de uma década depois. Com o título de Candyman, a DarkSide* lançou uma edição totalmente dedicada ao conto, com um posfácio do pesquisador Carlos Primati. Quem já conhecia o filme pode agora conferir a base daquilo que o cinema mostrou, mas essa é uma preocupação secundária. O que importa é que esse trabalho de Barker não perdeu sua força com o passar dos anos.

*(Confira também as resenhas de N, A Noite dos Mortos-Vivos e Coração Satânico)

Helen Buchanan decide realizar um trabalho acadêmico sobre grafites e pichações. A investigação sobre esse tipo de manifestação, envolvendo fatores estéticos, psicológicos e sociológicos, a leva até uma vizinhança problemática. O conjunto habitacional localizado na Spector Street é um claro exemplo de abandono por parte do poder público, atolado em pobreza, marginalidade e sujeira. Um lugar com material farto para esse tipo de pesquisa.

Conversando com uma jovem mãe da vizinhança, ela se dá conta que o interior de habitações abandonadas também pode acrescentar algo à sua pesquisa. Ignorando os riscos, ela encontra um apartamento com uma estranha e perturbadora arte na parede. Potencializando o incômodo, sua nova conhecida também lhe conta uma história de assassinato ocorrida nos arredores. Além da crueldade relatada, o detalhe mais chamativo é que o suposto assassino teria um gancho no lugar da mão.

Neste ponto, qualquer um pode imaginar que a coisa cairia no óbvio, com o tal matador perseguindo a protagonista até o final. Nada disso, pois o autor mirou em alvos mais altos e acertou na mosca. A narrativa se ocupa da influência que essas lendas urbanas, que crescem e se transformam no boca-a-boca através das gerações, ainda exercem no imaginário coletivo. Ainda mais quando são localizadas, como no caso de Candyman, intrinsecamente ligado ao conjunto da Spector Street.

A jornada da protagonista, o sobrenatural e o psicológico

Para Helen, assim como para o leitor, é a investigação de uma realidade completamente nova e distante do que se conhecia ou imaginava. Se a própria ambientação decadente já é estranhamente atrativa para ela, as histórias escabrosas da vizinhança e seu Bicho Papão tornam a coisa toda irresistível.  É a curiosidade mórbida dela que nos conduz por ali. Clive Barker, em poucas páginas, conseguiu criar uma personagem convincente nestes termos.

O tédio da vida burguesa e o ressentimento de um casamento que se mantém, aparentemente, por acomodação acabam por reforçar as motivações e o esforço que ela emprega para descobrir a verdade. Sem exageros ou surtos de paranoia, a composição de Helen é sutil e absolutamente bem sucedida para envolver os leitores.

Como ressalva, o único ponto a ser comentado é a relação entre os elementos rasgados de Terror sobrenatural e os de natureza mais psicológica. Perto de costurar as pontas em seu final, Candyman pode dividir opiniões entre os defensores mais ferrenhos de um tipo de história ou de outro. O equilíbrio entre esses dois aspectos é ligeiramente comprometido, realmente, prejudicando algo da condução segura que acompanhamos até ali.

Mesmo assim, isso não significa que o fechamento da trama decepciona. Pelo contrário, já que o raciocínio presente em todo o conto tem um encerramento interessantíssimo. Apesar de um terceiro ato um tanto irregular, o autor não perdeu o rumo dentro de sua proposta, insinuando ali conceitos que veríamos trabalhados por outros escritores britânicos que vieram depois. Neil Gaiman, por exemplo.

Resenha Candyman, de Clive Barker

O filme de 1992 mostrou um Candyman bem diferente daquele descrito no conto

A edição da DarkSide

Conforme já se espera da editora, Candyman é um primor de projeto gráfico, sem descuidar da tradução ou da revisão. Fica apenas um questionamento sobre a opção de lançar o conto em uma edição só para ele, com apenas 112 páginas, contando com o posfácio. Este, aliás, que deve ser evitado pelos que ainda não viram e ainda tem interesse na adaptação cinematográfica, já que existem spoilers de toda trilogia.

Entende-se a motivação comercial da editora, chamando atenção do público do(s) filme(s), mas Books of Blood poderia ser publicado na íntegra, trazendo este texto consigo. São comentários que nada tem a ver com a qualidade do trabalho de Clive Barker, evidentemente, mas é um fator que pode desagradar alguns leitores, fãs do escritor ou não, que não levarão muito mais do que um par de horas do início ao fim do livro. De qualquer jeito, o que realmente importa é que o padrão de qualidade editorial se manteve.

Já que o conto envelheceu tão bem, não há motivo para que os admiradores do horror literário não adquiram uma edição de Candyman. Depois desta leitura, será bem difícil evitar a reflexão sobre o que se esconde no inconsciente coletivo de alguns microcosmos urbanos. Em qualquer cidade grande.

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