Com duas adaptações para o Cinema, o livro Cabo do Medo atrai a atenção dos cinéfilos
Quem conhece razoavelmente a carreira de Robert De Niro lembra-se facilmente de um psicopata que ele interpretou em 1991. Max Cady era um personagem aterrador, infernizando a vida do advogado vivido por Nick Nolte, em um filme dirigido por Martin Scorsese. A história já havia ido para as telas em 1962, com Robert Mitchum e Gregory Peck nos respectivos papeis. As duas obras são baseadas em um livro de John D. MacDonald, lançado originalmente em 1957, com o título The Executioners, que agora é publicado no Brasil e identificado pelo nome do longa de 91, Cabo do Medo (Cape Fear).
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Editado em nosso país pela DarkSide (Candyman, O Mundo de Lore), Cabo do Medo conta história de Sam Bowden, advogado bem sucedido de New Essex, Carolina do Norte. Sua vida é o melhor retrato do sonho americano, com sua amada esposa e três filhos. A rotina tranquila é virada do avesso quando um fantasma de seu passado reaparece. Max Cady serviu o exército na Austrália durante a Segunda Guerra, onde Bowden, em patente superior, o encontrou pela primeira vez, flagrando-o tentando estuprar uma adolescente.
Com o testemunho de Bowden, Cady foi para a cadeia. Libertado treze anos depois, ele busca se vingar, mas não sem anunciar que está de volta e que pretende torturar psicologicamente essa família antes de assassinar cada um deles. O choque na vida pacata e “civilizada” de Sam é enorme, tentando de todas as formas legais livrar-se do psicopata, enquanto teme que o pior aconteça de uma hora para outra.
Quem viu a versão de Scorsese já percebeu aqui que aquele roteiro era um tanto mais intrincado, no bom sentido. O livro é bem mais simples na proposição da trama, embora tenha uma família maior em perigo, o que não é um defeito, claro, mas provoca uma comparação imediata e inevitável. O texto de MacDonald tem méritos indiscutíveis, que podem ser melhor apreciados se o leitor não esperar um clima de brutalidade semelhante ao do filme. A contextualização também importante, o que agrega ainda mais valor a ele.
Ainda sobre o filme e a figura de De Niro, o projeto gráfico da edição brasileira se vale bastante de sua iconografia. Mesmo que isso tenha rendido um volume que dá gosto de ver na estante, essa embalagem não parece muito condizente com as descrições do texto original. É possível acompanhar toda essa narrativa imaginando pessoas muito diferentes, o que pode até ser um alívio para quem temia não encontrar quaisquer surpresas nestas páginas.
O diabo está nas entrelinhas
Conceitualmente, Cabo do Medo é um estudo sobre a hipocrisia em torno do construto social de um cidadão modelo. Não de uma forma maniqueísta, já que ele não aponta qual seria a saída “certa” para o dilema de Sam Bowden. Este, aliás, é fiel aos seus princípios até onde a situação torna-se insustentável, atormentado pela sua própria falta de ímpeto enérgico e até de condições físicas para lidar com uma criatura como Max Cady.
O vilão da trama, por sua vez, é absolutamente convincente na descrição. A condição animalesca de sua mentalidade é assustadora, já que Cady é alguém que pode transitar em diversos meios sem que ninguém o note ou faça ideia do que ele é capaz. Não bastasse a frieza e o cinismo, ainda se trata de alguém dotado de força bruta e selvageria. Tanto que nem um espancamento é capaz de pará-lo.
É como se Cady fosse um reflexo distorcido e bizarro de Bowden. O autor, ainda que não procure nenhum tipo de redenção para uma figura tão violenta, não deixa de incluir detalhes que indicam certo fatalismo para que alguém acabe tão perturbado. O advogado, por outro lado, sempre viveu em condições muito mais confortáveis. Haveria aí uma sutil crítica à relutância e falta de recursos do protagonista, um cidadão “civilizado”, para lidar com a situação? Eis um tópico que merece a discussão.
Escrita ágil com final abrupto
Outro ponto positivo a se destacar é que Cabo do Medo, com suas 224 páginas, é uma leitura que flui muito bem, mesmo já tendo uma boa ideia de como terminará. Uma boa narrativa de uma época de ouro da literatura norte-americana, honrando seus contemporâneos de peso (por exemplo, O Destino Bate à Sua Porta).
A única ressalva fica pelo seu fechamento, onde a situação acaba se resolvendo de uma forma lógica, mas bem pouco catártica para os leitores. O raciocínio desta proposta até poderia ir além, mas algo se perdeu na parte dramática desta jornada, principalmente pela rapidez nos acontecimentos finais. Não é algo que provoque lamentações ou que estrague a experiência, mas fica a sensação de que faltou algo.
Com mais prós do que contras, Cabo do Medo é uma leitura prazerosa, cujo exercício de comparação entre texto e filmes é bastante interessante. No entanto, felizmente, o livro sustenta-se bem mesmo deixando isso de lado. De quebra, é a chance de conhecer um autor prestigiado que é pouco comentado no Brasil. Só isso já justifica seu lançamento e sua aquisição.