A ficção-científica é um gênero literário muito volátil. Temos obras maravilhosas, obras risíveis e uma grande parte que vive no oceano esquecível da mediocridade. Junto com Isaac Asimov (Trilogia Fundação), Arthur C. Clarke (2001: Uma Odisséia no Espaço) faz parte do panteão dos grandes mestres da literatura sci-fi e As Fontes do Paraíso é mais uma prova da visão de futuro do autor.
O interesse de Clarke por ficção e ciência começou cedo. Após concluir o Ensino Médio, estudou Física e Matemática. Tais conhecimentos fizeram com que o escritor contribuísse não apenas com a literatura hard-science, mas também com a tecnologia cotidiana. Em 1945, ele escreveu um artigo técnico para o Wirelles World, em que apresenta os princípios básicos da comunicação por satélite.
Todo esse histórico de vida do autor é a base para entendermos suas obras ficcionais. Em 2001: Uma Odisséia no Espaço, Clarke mostra de maneira detalhada como seria uma viagem até Saturno em termos tecnológicos e quando assistimos vídeos de astronautas em suas naves, percebemos que a imaginação do escritor era, além de visionária, precisa.
Em As Fontes do Paraíso, escrito em 1979, existem duas narrativas separadas por dois mil anos. A primeira delas fala sobre o desafio lançado pelo rei Kalidasa a seus inimigos e aos próprios deuses ao construir um impossível palácio no topo de uma montanha em Taprobana (nome pelo qual o atual Sri Lanka – onde o escritor vivia – era chamado na Antiguidade). A segunda história fala sobre o engenheiro Vannevar Morgan que quer construir um elevador que liga a Terra ao espaço sideral.
Para fãs de tecnologia e astronáutica, As Fontes do Paraíso é um prato cheio. Vencedor de vários prêmios, incluindo o Hugo e o Nebula, existe uma discussão muito pertinente com relação aos custos das viagens espaciais. Argumentos técnicos são colocados em pauta, fazendo com que a ideia do elevador espacial seja aceita mercadologicamente, pois acabaria com os custos exorbitantes e recorrentes do uso de foguetes. O único empecilho que se opõe à obra do engenheiro Morgan é o mesmo que impedia Kalidasa de construir seu palácio: os monges que viviam na montanha.
Intercalando com a história principal, o escritor coloca trechos de livros e poesias fictícias que trazem uma quebra muito interessante. São textos que misturam vida real e ficção, dando um tom a mais de realidade, além de serem passagens com muito conteúdo para reflexão.
O forte de Clarke não é a narrativa em si. Em sua obra como um todo, não temos um grande desenvolvimento de personagens ou um ritmo crescente, (com exceção de 2001, que possui um crescente incrível de conceito, mas nesse caso talvez parte do mérito pertença a outro alguém, não?) mas mesmo que obviamente incomode e canse um tanto em alguns trechos, isso não estraga a experiência. Por se tratar de uma ficção-científica estilo hard-science, o prazer da leitura está em degustar os debates e conceitos sociais, filosóficos e tecnológicos desse mundo futurista e não em se emocionar com os personagens. Quando Clarke tenta entrar neste caminho mais emotivo, acaba falhando vergonhosamente.
As ideias e conceitos aqui tratados são os favoritos do autor: Tecnologia, Religiosidade e Vida Alienígena. São estas as partes mais interessantes de As Fontes do Paraíso, pois discutem de maneira coerente e intrigante as implicações sociais em decorrência aos eventos citados. Aqui, chamo atenção para a melhor parte, onde uma sonda alienígena passa pela órbita terrestre e responde a algumas perguntas – é nesse segmento que o autor deixa claro seus pensamentos com relação a crenças religiosas. De tão boa, gera até uma frustração por ser uma parte muito curta.
As Fontes do Paraíso não se equipara com outras grandes obras de literatura sci-fi, mas com certeza merece ser lido por qualquer um que se diz fã do gênero.
P.S.: Esta ideia do elevador espacial surgiu primeiro da mente do cientista russo Konstantin Tsiolkovsky em 1895, inspirado pela recém-construída Torre Eiffel. Depois, em 1960, o engenheiro Yuri Artsutanov – mais um russo – também propõe uma ideia para a Torre Espacial. Parece apenas projetos loucos de cientistas fãs de ficção-científica, não? Eis que em 2012, a empresa japonesa Obayashi Corporation anunciou a construção de um elevador espacial que ficará pronto até 2050! Ah, esses nipônicos…