Seguindo os passos de Álvares de Azevedo
Um talento que morre precocemente já é algo bastantes lamentável. No entanto, se estivermos falando de um poeta, a situação em si já ganha uma aura diferente. Não é exatamente algo que atenua a tragédia, mas imaginamos que a experiência da partida seria algo diverso para essas pessoas. Quando o assunto é Álvares de Azevedo, ícone do Romantismo, essa ideia ganha mais força, aumentando o interesse sobre sua curta vida.
Luciana Fátima é Mestre em Comunicação, especialista em Língua Portuguesa e Literatura. Delírio, Poesia e Morte – A Solidão de Álvares de Azevedo, da editora Estronho*, poderia ser apenas uma biografia mais ou menos convencional, mas, felizmente, a autora preferiu outro caminho. Luciana reconstruiu os passos de seu objeto de estudo, porém, estruturando o texto como se narrado em primeira pessoa pelo próprio Azevedo.
*(Confira as resenhas de outros títulos da Estronho, como E Cuidado Com o Sal e Cemitério Perdido dos Filmes B: Redux.
Se Literatura Brasileira não é o seu forte, lá vai uma breve explicação. Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo em 1831, falecendo em 1852 por conta de uma queda ao cavalgar. Um detalhe controverso, na verdade, mas um mistério que serve bem à imagem deixada para posteridade. Logo após seu nascimento, mudou-se para o Rio de Janeiro, voltando a São Paulo em 1847 para cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ali mesmo, já chamou atenção por suas produções literárias e pela facilidade em aprender línguas.
Poeta, contista e ensaísta da segunda geração do Romantismo, a chamada Ultrarromântica, Azevedo foi fortemente influenciado por Byron, Shelley, Goethe e Musset. Por conta de sua morte prematura, seus trabalhos foram publicados postumamente. Suas obras mais lembradas são a antologia poética A Lira dos Vinte Anos e a coletânea de contos Noite na Taverna. Este último, aliás, um belo exemplo do Gótico na Literatura Brasileira.
O spleen que permeia a obra
O termo francês spleen expressa a melancolia reflexiva, a angústia e o tédio existencial. Normalmente associado a Charles Baudelaire (1821-1867), spleen sintetiza também a poética e a própria vida de Álvares de Azevedo. A palavra aparece várias vezes em Delírio, Poesia e Morte, não por acaso.
Se alguns biógrafos buscam encontrar a alma da pessoa sobre a qual escrevem, aqui parece caber uma explicação mais poética, o que é muito conveniente. Luciana Fátima incorporou essa essência e deu voz a ela, em um cuidadoso trabalho na utilização do vocabulário da época. Não apenas isso, através das próprias poesias e cartas reais dispostas ao longo do livro em ordem cronológica, ela trouxe um êmulo ficcional crível que encanta o leitor.
O recurso subjetivo adotado pela autora é notável e demonstra sua proximidade e afeto pelo material em questão. O esforço se torna mais evidente quando consideramos, justamente, o spleen desta existência. A consciência da Morte já na infância, ao perder o irmão, está ali descrita, mas não se trata de procurar denominadores comuns ou causas diretas e objetivas para tamanho tormento. Muito além de uma pretensa investigação, Luciana parece ter procurado assimilar esses sentimentos de uma forma intensa, dividindo essa experiência conosco através do livro.
Delírio, Poesia e Morte – A Solidão de Álvares de Azevedo tem potencial para agradar tanto o conhecedor quanto o recém-chegado. Aquele que já é próximo desta obra imortal vai sentir-se mais íntimo com seu criador, ao mesmo tempo que o iniciante terá um excelente ponto de partida em mãos. Na verdade, é invejável que alguém conheça a literatura azevediana por este livro, afinal, é como se o próprio estivesse ali se apresentando para o leitor.
Mórbido? Pode até ser, mas é quase certo que o próprio aprovaria…