Cesar Alcázar compila seus contos de crime em A Culpa é da Noite
Uma coletânea de contos, quando dotada de ritmo pelas escolhas de seu editor, pode ser admirada como um festival de curtas-metragens. A comparação com o cinema, e com um tempo onde o formato curta tinha espaço nas salas de exibição comerciais, encaixa com perfeição em A Culpa é da Noite, do gaúcho Cesar Alcázar, que já levou sua cinefilia para as páginas no ótimo Cemitério Perdido dos Filmes B: Redux e, de forma mais sutil, para a série de HQs do personagem Cão Negro.
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Lançado pela editora curitibana Arte e Letra, o livro compila 11 histórias escritas por Cesar entre os anos de 2014 e 2018. Em comum, a atmosfera de filme noir com toques tropicais e, em alguns casos, a paixão rasgada pelos clássicos protagonizados por nomes como Humphrey Bogart e Dana Andrews. Mais que apenas referenciar seus ídolos das telas, o autor capta o ambiente das décadas de 1920, 1930 e 1940 para construir tramas que envolvem jogadores inveterados, femmes fatales inteligentes e perspicazes e tiroteios regados à uísque.
A diversidade de linguagens adotada por Alcázar faz o leitor se perguntar, diante de algumas histórias, se todas foram escritas pela mesma pessoa. Isso não significa que o gaúcho não tenha estilo de escrita, muito pelo contrário. Nas linhas de contos como De Bem e Medo e Delírio em Coroa de Cristo, ele remete aos bares abafados lotados de clientes suspeitos, que tantas vezes dominaram o cinema, sem esquecer suas origens. O porto-alegrense que escuta Leonard Cohen e Miles Davis entre um rascunho e outro está presente, hora como fantasma, hora como observador crítico de seus homens de chapéu e pistola.
Histórias renovadas
Quem já mergulhou em outros trabalhos assinados por Alcázar vai ser surpreendido logo no primeiro contato com A Culpa é da Noite. O conto de abertura, Meu Velho Kentucky Blues, vai atiçar a memória dos mais atentos. A história, presente em outra coletânea banhada à sangue, o ótimo Crimes Fantásticos, lançado pela saudosa Argonautas Editora, foi reescrita para essa edição e não decepciona quem já passou algumas horas com o valente e charmoso Abel M. Cain, protagonista da trama.
A edição caprichada, com capa dura e projeto gráfico assinado por Frede Tizzot, confere um luxo extra, ainda mais se relembrarmos que os personagens que passeiam diante de nós possuem mais pecados que conquistas. A imaginação vai longe com as descrições de Alcázar e só cresce se as referências cinematográficas do leitor forem vastas quando o assunto é cinema noir, faroeste e os policiais setentistas. Aliás, se você caprichar na trilha sonora na hora de desfrutar de A Culpa é da Noite, a experiência será ainda mais intensa. O ritmo da prosa, assim como um bom jazz, tem os seus momentos de improviso e surpreendem até quem já é conhecedor do estilo do gaúcho.
Há também espaço para a máfia mais, digamos, clássica dentro do segmento intitulado Os Tentáculos da Máfia. No conto que abre essa nova etapa de histórias, O Filho de O’Higgins, a atmosfera é única e, já nos primeiros parágrafos, é possível, inclusive, vislumbrar o roteiro de um curta-metragem. Outra vez o cinema esbarrando nas páginas de A Culpa é da Noite. Esta que vos escreve confessa que foi pega imaginando personagens com faces que lembravam muito James Coburn ou mesmo Edward G. Robinson. Mas temos certeza que isso não é apenas coisa de uma cabeça cinéfila demais, mas está escondida nas entrelinhas manchadas de sangue e pólvora do livro com o aval de seu autor.
Sabe aquela máxima de “leia o livro, veja o filme”? Aqui tudo se confunde e o resultado são papos ainda mais divertidos na mesa do bar. De preferência, sem gângsteres nos nossos calcanhares.