Uncharted 4: A Thief’s End, último capítulo de uma das franquias mais cultuadas pelos donos do sistema Playstation desde a geração passada, chegou ao mercado no último dia 10 de maio trazendo o peso de uma grande responsabilidade. Com o objetivo não apenas de encerrar com chave de ouro a saga do caçador de tesouros Nathan Drake, o título precisava também estar à altura da qualidade que a Naughty Dog estabeleceu com oaclamado The Last of Us, unanimidade de público e crítica.
Após anos de hype, com divulgação de cenas de perseguições eletrizantes e promessas de um gameplay revolucionário, a experiência entregue acaba sendo na sua maior parte um deleite visual e mecânico para os jogadores, que finalmente puderam ver todo o poderio bruto do console da Sony sendo explorado. Com um nível de detalhamento e expressividade impressionantes, cenários capazes de nos fazer esquecer de avançar para admirá-los e uma execução solida, esse é sem dúvida o exclusivo mais bonito e funcional lançado até esse momento da
geração.
Porém após uma análise mais crítica e desapegada do clima de nostalgia que a desenvolvedora foi muito feliz em criar para os fãs, os problemas começam a aparecer.
Assim como Uncharted 3, o jogo começa durante uma memória de infância de Drake. Nessa lembrança somos apresentados a seu irmão, Sam Drake, cuja existência foi até então ignorada pelos jogadores e ao que tudo indica, pela própria Naughty Dog. É penoso ver o esforço dos roteiristas, que o tempo todo parecem transformar a narrativa num pedido de desculpas por essa omissão, criando cenas forçadas para tentar justificar até mesmo novas mecânicas de jogo, como o uso do gancho,aprendido por Nate na infância através desse irmão, e ainda assim misteriosamente nunca utilizado nos demais títulos da série.
E não é apenas no prólogo que o jogador presencia esses momentos de”aperto” para dar sentido a uma história inverossímil, onde as cicatrizes de dilemas familiares marcantes parecem ter sido simplesmente apagadas da memória do protagonista durante quase uma década para de repente surgirem aqui com um peso dramático incoerente. Essas cenas se estendem por todo o gameplay e afetam inclusive a dinâmica da jogabilidade, que se tornou mais lenta e em algumas passagens, até monótona. Ao longo da campanha temos capítulos onde absolutamente nada acontece, e o jogador é forçado a esquecer os comentários ácidos daquele Nathan canastrão e ambíguo, claramente baseado no ícone dos filmes de ação e aventura Indiana Jones, para agora assumir um lado reflexivo e disposto a longos monólogos enquanto apenas escala montanhas intermináveis, nos proporcionando momentos cansativos e vazios de significado.
Essa necessidade constante de justificar adições de última hora aoplot alterou por completo a identidade que havia sido estabelecida a franquia desde seu nascimento, em 2007. Do Nathan que matava casualmente hordas de NPCs sem perder o carisma e parecia um personagem saído de um filme anos 80, estilo “Os Mercenários”, sobrou muito pouco. Agora todas as ações e assassinatos carregam uma carga deslocada de seriedade.Para endossar a mudança, o estilo de combate, que antes se baseava no divertido absurdo de um único homem encarando abertamente dezenas sem sofrer um arranhão, agora fica mais esparso e ganha limitadas opções de furtividade.
Com o número de inimigos reduzido, cada conflito ganha uma complexidade deslocada da proposta tradicional de Uncharted, forçando o jogador a observar com mais cautela o mapa e elaborar estratégias como se camuflar no cenário, provocar explosões ou distrair seus oponentes para vencê-los.
Mas é um engano pensar que o jogo se tornou mais desafiador dessa forma. Pelo contrário, aqui surge outra modificação que enfraqueceu a franquia: agora Nathan anda acompanhado durante a maior parte do gameplay, seja pelo já citado irmão, pelo antigo companheiro Sully ou pela esposa Elena. E o papel desses personagens não é a apenas dar a Naughty Dog a chance de se explicar através de diálogos
desnecessariamente densos, novamente deturpando a construção desses personagens como os conhecemos ao longo dos anos. Suas presenças servem também como apoio para livrar o jogador dos desafios impostos pelo jogo.
Ao chegarmos numa cena onde se apresenta um puzzle por exemplo, basta o jogador perder 30 segundos admirando a beleza do cenário para que a resposta seja dada e muitas vezes até executada pelo personagem ao seu lado. Durante minha campanha, jogada na dificuldade normal, cheguei de fato a perder inteiramente alguns eventos do jogo, que foram resolvidos por um desses coadjuvantes enquanto eu explorava o mapa ou ia atrás de um colecionável.
Como se trata de Uncharted, não podemos deixar de mencionar a aventura de caça ao tesouro que põe em movimento a trama. Dessa vez a almejada aposentadoria de Nate é abalada pelo apelo de Sam para encontrar o tesouro do lendário pirata Henry Avery e com ele pagar uma dívida quevale sua vida. Contando com antagonistas interessantes e bem construídos nos antigos moldes da franquia, essa parte da trama avança num passo mais trabalhado que as anteriores, sem perder a agilidade que a torna dinâmica e envolvente. Na verdade, o jogo parece encontrar suas origens unicamente nos momentos em que o foco se volta inteiramente para essa caçada. Nela tem palco as raras conversas em que relembramos, por exemplo, a descontração e sarcasmo da outrora cômica dupla Nate e Sully, junto com as provocações e competitividade que os marcaram ao longo dos jogos anteriores.
Como título isolado, Uncharted 4 é um bom jogo, embora falhe em alguns aspectos de jogabilidade. É visto a luz do contexto da franquia e especialmente por encerra-la, que ele revela uma Naughty Dog perdida entre o fechamento de uma saga irreverente, que brilhou sem nunca se levar a sério e seu visível esforço para mostrar que consegue criar plots tão intensos quanto a aventura de Joe e Ellie, que consagrou The Last of Us, em qualquer situação. Faltou senso de oportunidade e coerência a uma das poucas desenvolvedoras cujo trabalho sempre foi símbolo de tanta qualidade que dispensa provas de valor. Trata-se de um dilema compreensível diante da proporção de fenômeno que seu nome tomou nos últimos anos e resta ao jogador esperar que seu ponto de equilíbrio seja retomado em futuros lançamentos.