Para quem tinha entre 5 e 10 anos em 1994, ou têm entre 5 e 10 anos hoje, Sonic: O filme entrega tudo que se poderia desejar
Quando saiu o primeiro trailer de Sonic: O filme, em 2019, ele não foi recebido com carinho. Após verem os olhos pequenos, as pernas longas de maratonista e os dentes humanóides da criatura azul, uma enxurrada de fãs deu voz às suas reações negativas. A aberração monstruosa parte-humana/parte-ouriço se infiltrou nos pesadelos de cinéfilos e fãs de jogos do mundo todo.Então, aconteceu o impensável: o estreante diretor Jeff Fowler anunciou que o visual da personagem teria um re-design completo, o aproximando do visual original, e a estreia do filme seria adiada em quatro meses. A internet havia vencido. O resultado é um dos melhores filmes de adaptação de videogame já feitos.
Jim Carrey teve uma ascensão meteórica em 1994 quando fez Ace Ventura, O Máscara e Debi & Lóide – Dois Idiotas em Apuros. No mesmo ano, também saíram os jogos de Mega Drive Sonic 3 e Sonic & Knuckles, consolidando a ascensão do ouriço azul, iniciada em 1991. Faz sentido, então, que ao encomendar um filme do Sonic, o estúdio optar por juntar esses dois elementos de nostalgia. A união é poderosa: Jim Carrey dá vida ao Doutor Ivo “Eggman” Robotnik, incorporando frases, caras e gestos de diferentes personagens que fizeram sua carreira. Tanto dançando sozinho ao som de “Where Evil Grows”, do Poppy Family, quanto interagindo com seu capanga agente Stone (Lee Majdoub), é impossível não sorrir vendo as palhaçadas do ator. É a sensação de visitar um velho amigo de infância no manicômio.
Sonic (voz de Ben Schwartz) mora na cidade de Green Hills, em Montana, após escapar de sua dimensão natal, fugindo de forças do mal que querem usar seu poder. Sua dramática história de origem é rápida, os detalhes são deixados para futuros filmes. O que importa é que Sonic tem uma bolsa com anéis que abrem portais interdimensionais. (recurso narrativo que está crescendo rapidamente em Hollywood). No seu dia-a-dia em Green Hills, ele participa em segredo das vidas das pessoas na comunidade, em especial do xerife Tom “Lorde Donut” Wachowski (James Mardsen), e de sua esposa, a veterinária Maddie (Tika Sumpter). Ele curte as noites de cinema deles, assistindo pela janela, e seu filme preferido é Velocidade Máxima, também de 1994. Com ninguém para interagir, ele se sente sozinho e preenche sua vida hiperativa com dezenas de atividades.
Tom recebe uma oferta de emprego em São Francisco, com a qual sonhava há muito tempo, e está feliz porque poderá etuar no salvamento da vida de alguém, ao invés de ajudar patos a atravessar a rua com segurança ou perder o dia esperando infrações de velocidade. Quando Sonic acidentalmente causa uma pane elétrica na cidade e chama a atenção do governo, Dr. Robotnik é contratado para investigar a causa, o colocando na cola do poder de Sonic, que por sua vez pede ajuda ao xerife para escapar.
O roteiro de Pat Casey e Josh Miller evoca família e amizade e é engraçado, fazendo piadas com cultura pop, variando desde Velozes e Furiosos (um dos produtores é Neal Moritz) até o design original de Sonic no primeiro trailer. As sequências de ação são poucas, mas memoráveis, uma delas lembrando a cena do Quicksilver em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido e também uma interessante perseguição em uma rodovia.
Para a família e para os fãs
O xerife Tom tem bons valores, teve três empregos concomitantes para pagar os estudos da esposa, e ela está disposta a mudar de vida e trabalhar em outro estado para que ele também possa realizar seu sonho. Ela cuida dos animais e ajuda a criar a sobrinha. A “violência light” é cartunesca e não assusta crianças pequenas. Adaptar um videogame não é tarefa fácil, mas o filme acerta em deixar ser simples e focado nas interações das personagens, estabelecendo um mundo que poderá explorar mais ideias dos jogos em produções futuros. Manter os risos constantes e os palavrões escassos é sempre uma boa pedida em um filme para a família.
Os últimos anos revelaram uma certa melhoria na safra de filmes baseados em videogames, como Tomb Raider: A Origem, mas o padrão ainda é baixo. É claro que Sonic: O Filme é um longa de estúdio, cheio de colocação de produtos da Olive Garden e da Puma, mas é um esforço que eleva o padrão e mostra como uma propriedade intelectual com pouca história pode ser transformada em um filme decente. Tanto Schwartz quanto Carrey anunciaram que têm interesse em participar de uma sequência, que está muito bem estabelecida no início dos créditos finais. Resta saber se a nostalgia do ouriço azul conseguirá levar as pessoas ao cinema.