La Jetée e sua relação com 12 Macacos
Desde o advento Tarantino (cineasta que já foi tema em um dos nossos podcasts) e a estréia de Matrix, ambos na década de 1990, uma hora ou outra os dois acabam sendo mencionados quando o assunto é aquela velha polêmica sobre o que seria de fato citação, homenagem, referência ou simples plágio. Como tais detalhes específicos quase nunca são discutidos diretamente em entrevistas ou declarações dos diretores, a coisa acaba meio que no limbo daquelas discussões entre os fãs de um lado e detratores do outro. Algumas influências são admitidas, outras nem tanto e ninguém chega a um consenso. Enquanto isso, ninguém sabe o que os realizadores realmente pensam a respeito. Falando nisso, já ouviu falar sobre La Jetée?
Um caso raro nessas situações é a ficção científica 12 Macacos, de 1995, dirigido pelo ex-Monty Python Terry Gilliam. Acima da média, com um roteiro pessimista e sombrio, é o típico caso de produção hollywoodiana viabilizada apenas pela presença de estrelas no elenco. O filme contou com Bruce Willis no papel principal e um então subestimado Brad Pitt, cuja performance lhe rendeu uma indicação ao Oscar, presenças que garantiram um bom desempenho nas bilheterias. Nada perto de alguns blockbusters cheios de patriotadas hiperbólicas, como Independence Day, mas ainda assim é um feito pelo teor da obra. (aproveite e leia a crítica de sua continuação: O Ressurgimento).
Caso ainda não o tenha visto, o filme mostra um futuro em que um vírus dizimou mais de 90% da população da terra. Os sobreviventes são obrigados a viver em subterrâneos e um deles é enviado ao passado para coletar dados sobre a epidemia e localizar o responsável, porém, chegando adiantado em alguns anos, ele acaba internado em um manicômio. Além da história e visual bastante interessantes, existe uma preocupação em evocar no espectador aquela experiência da imagem vista na infância que carregamos ao longo da vida, congelada em nossa memória como uma foto.
Certo, mas o que 12 Macacos e aquela tal imagem da infância tem a ver com a introdução do texto? Tudo, afinal o filme é uma espécie de refilmagem ou reimaginação de um curta francês de aproximadamente 30 minutos chamado La Jetée*, dirigido pelo artista multimídia Chris Marker em 1962. Essa relação é pouco conhecida mesmo entre admiradores do filme de Gilliam, e esse objeto de inspiração permanece quase obscuro. Com certeza, alguém que se lembra bem do filme, ao assistir ao curta mesmo sem ter ouvido nada a respeito da relação entre um e outro, perceberia inúmeros pontos em comum e a mesma proposta.
O evento que mata milhões, a necessidade da viagem no tempo, alternância narrativa entre passado e futuro, o protagonista atormentado e a imagem fixada na memória, tudo está presente no curta. Além disso, um detalhe chama muita atenção e faz toda diferença em La Jetée; a história é contada com imagens paradas. Fotos em preto e branco são exibidas acompanhadas de uma narração, o que faz muito sentido sendo a história tão ligada ao conceito da recordação de imagens. *(A tradução literal da palavra é píer, terminal ou plataforma, utilizada aqui referindo-se a um aeroporto)
Se você já havia visto 12 Macacos, porém, não sabia disso tudo, talvez ache agora que isso foi uma decepção e que o filme perdeu um pouco do seu brilho e da sua originalidade. Na verdade não é nada disso. Em primeiro lugar porque nada, em termos de narrativa, é original desde a Odisséia e a Ilíada. Segundo, nesta produção existe a virtude da mais honesta e transparente admissão da utilização das fontes. Eu disse tratar-se de uma raridade porque desde o início da produção, Terry Gilliam deixou claro com todas as letras que seu projeto era completamente baseado em La Jetée e que um não existiria sem o outro.
O Imdb inclusive credita Chris Marker como criador da história e nos créditos iniciais do filme ele também é mencionado, conforme a imagem abaixo. A maioria concordando ou não, assumir que o objetivo é fazer uma reinvenção expandida de outra obra, automaticamente encerra discussões a respeito de apropriação de conceitos ou imagens.
Enfim, nada melhor do que conferir a obra completa com seus próprios olhos.
Conheça o aeroporto de Chris Marker…