Regra n° à escolher: bons atores podem ser armas contra um roteiro morto-vivo
Em 2009, Zumbilândia (Ruben Fleisher) surpreendeu o público, mas poderia ter passado despercebido em meio a enxurrada de produções sobre mortos-vivos que chegaria à TV e aos cinemas nos anos seguintes. O sucesso pode ser explicado como uma daquelas convergências de fatores que eventualmente catapultam filmes que talvez não merecessem tanto em outras circunstâncias: a temática estava em um momento propício com expectativa para a estreia de The Walking Dead nos meses seguintes, bons atores entrosados e que realmente pareciam se divertir em cena, a comédia esculacho sem compromisso com a verossimilhança, mas respeitosa com os fãs do gênero, e as excelentes e bem usadas referências que faziam o público se sentir muito bem na plateia. O resultado foi um filme que faturou cinco vezes o seu orçamento, o que, na Hollywood que conhecemos, significa “como podemos faturar mais?” Mandando às favas coerência, depois de um hiato de inacreditáveis 10 anos, chegamos a Zumbilândia: Atire duas vezes (Zombieland: Double Tap), novamente com Ruben Fleisher na direção.
É mais um caso daqueles filmes cujo principal objetivo é homenagear a si mesmo. A principal atração aqui é a reunião do elenco original, em ótima forma depois de seguirem carreiras ascendentes no período pós primeiro filme, com premiações e produções de peso no currículo, o que torna os nomes no cartaz um orgulho para qualquer diretor. A trama segue a linha já amada por seus fãs: Columbus (Jesse Eisenberg) continua com suas leis para sobreviver ao mundo pós-apocalíptico. Ao lado de Tallahace (Woody Harrelson), Wichita (Emma Stone) e Little Rock (Abigail Breslin), chegam a uma destruída Casa Branca para recomeçar a vida em um possível lar. Mas os planos mudam quando Little Rock resolve curtir sua adolescência no estilo livre e rebelde, enquanto o relacionamento de Columbus e Wichita derrapa e uma nova ameaça de zumbis super evoluídos surge para desafiar nossos heróis.
O roteiro segue a premissa de que o que o público quer mesmo é rir e não precisa se preocupar muito com uma história coerente em seu próprio universo. O que importa é o ritmo ágil, situações hilárias absurdas, referências de todo tipo e quantas oportunidades forem possíveis para o elenco brilhar. O filme é uma colagem de obviedades, soluções patéticas, passagens irritantemente desnecessárias e pouco criativas, como a ideia de se criar duplos dos personagens como uma forma de reforçar as idiossincrasias de cada um em uma cena descartável.
O grande zumbi
O grande paradoxo é que, apesar de tantos problemas, o caldo sai até saboroso. Fleisher consegue ampliar o que deu certo no primeiro filme e impõe uma agilidade às piadas absurdas que consegue arrancar sinceras risadas do público. Os personagens-clichês são marca registrada e tratados de forma tão escancarada que se tornam mais palatáveis e até divertidos. A melhor qualidade é ter consciência da sua própria situação e não se levar a sério. A cena pós-créditos é imperdível!
As referências à outros filmes e séries sobre o tema e as brincadeiras sobre o mundo na última década ajudam a tornar o filme mais interessante para um novo público. Há quem veja até uma reflexão política escondida da tentativa de invasão dos zumbis a uma ilha de tranquilidade encontrada pelos protagonistas: seria uma crítica a crise migratória do mundo de 2019? Bem, o amor pelas armas e aos valores familiares continuam evidentes tempos de conservadorismo planeta a dentro.
Não há como negar que esse é um filme de elenco. Sem os nomes estrelados, essa comédia pastelão seria mais uma produção esquecível no painel do besteirol norte-americano. Todos estão muito a vontade em cena, a inserção de novos personagens ajuda a levantar a bola para o bloqueio dos protagonistas. Ok, Jesse Eisenberg segue mais do mesmo, como ele sempre é, seja como criador da maior rede social do mundo ou como um jovem Lex Luthor. Não podemos, até o momento, esperar versatilidade desse cara, mas se isso é o que ele faz bem, continua fazendo bem aqui. As tiradas sarcásticas e o humor sutil, suas marcas permanentes de atuação, se mantém como um bom instrumento de combate.
Woody Harrelson mantém o tom histriônico e caricaturesco de seu personagem, mas quem se importa com isso? Emma Stone continua como o contrapeso emocional da trama, algo que a atriz manda bem, mesmo com os colegas assumindo posturas bem mais fortes em cena. Destaque também para Zoey Deutch, interpretando a caricatura de patricinha Madison, que mesmo com um personagem tão caricato, consegue brilhar com graça e diversão. Todo o elenco consegue fazer do limão uma limonada e dar substância para diálogos, em outras situações, muito fracos.
Se Zumbilândia 2 repetirá o sucesso do primeiro filme da franquia, é cedo para dizer. A falta de novidade e o aparente crepúsculo da era dos mortos-vivos podem influenciar o resultado das bilheterias. Mas, se a nova produção superar os números da primeira, Fleisher deve agradecer ao carisma de seu heroico elenco.