Quando Mary Shelley escreveu seu romance, aos 19 anos, estava maravilhada pelas recentes descobertas tecnológicas como a bioeletricidade, estudada por Luigi Galvani. Homens se testavam sem medos e Galvani defendia, a partir de estudos feitos com pernas de rãs, que a eletricidade era “O fluído da Vida”. Era uma época fértil e criativa. Exatamente o contrário do que acontece hoje em Hollywood.
A indústria continua sendo um prodígio de criações, mas existe uma seca criativa que faz com que os estúdios tentem incansavelmente reciclar as mesmas estórias, como é o caso de Frankenstein. Desde 1931, com a versão lançada e dirigida por James Whale, eternizando Boris Karloff como o Monstro – e ainda cunhando a célebre frase “It’s alive” – diversas releituras foram lançadas, com destaque para Frankenstein de Mary Shelley, de 1994, o filme mais próximo do romance original.
Eis que chegamos a 2015 e a Fox resolveu lançar mais uma versão, agora com o próprio doutor Frankenstein, vivido por James McAvoy, como foco principal. Mas como contar novamente a mesma estória sem parecer batido? Victor Frankenstein (idem) é narrado sob a perspectiva do corcunda Igor, interpretado por Daniel Radcliffe. Na realidade, o personagem não existe no livro e foi criado como auxiliar do cientista na película de 1931, mas com o nome de Fritz. Curiosidades à parte, o corcunda é o personagem mais intrigante dessa nova versão, e – por acaso – a cena onde ele deixa de ser corcunda (?) é a parte mais controversa do filme. Aconselho a não tomar refrigerante no momento.
Radcliffe já começa o filme com uma constatação que soa como uma desculpa: “Você já conhece essa estória”. Dirigido pelo escocês Paul McGuigan, o novo filme é tecnicamente muito bem feito, com bons efeitos e uma estética moderna. Em alguns momentos, utiliza uma espécie de raio X que, apesar de não ser uma novidade, foi bem utilizado e ficou interessante.
O roteiro, escrito por Max Landis, nos apresenta de maneira rápida os dois principais personagens, Igor e Victor, tentando moldar uma improvável amizade entre o corcunda e o arrogante doutor. Acontece que o pequeno deformado é um gênio da medicina (??) e em um único encontro chama tanto a atenção do doutor, ao ponto de fazer com que ele o resgate do circo onde se encontra como uma triste atração. Hollywood responde aqui a pergunta feita anteriormente: Como contar novamente a mesma coisa sem parecer batido? Transformando personagens, essencialmente humanos, em novos ninjas. As habilidades apresentadas na sequência do resgate beiram o sobre-humano, uma característica que permeia os novos filmes de aventura da grande indústria. Lembra bastante a estética da nova franquia Sherlock Holmes (ironicamente, também uma releitura), estrelada por Robert Downey Jr. Foi legal quando usado em em 2009, mas agora ficou tão…”2009″, sabe?
Curiosamente, Paul McGuigan tem ligação com o detetive. Ele dirigiu quatro episódios da celebrada série da BBC Sherlock, estrelada por Benedict Cumberbatch. O ritmo da série foi trazido para o filme, o que é bom por um lado, mas também responsável pelo maior erro da produção: Falta tempo para desenvolver os personagens. Com tanta coisa acontecendo e precisando ser contada em 110 minutos de filme, não sobra espaço para que os arcos dos personagens sejam propriamente conduzidos. O filme se perde aí, apesar dos bons elementos de apoio, como o interessante detetive Roderick Turpin – Andrew Scott, o Moriarty da série da BBC. Nem mesmo o romance questionável entre Igor e a bela trapezista Lorelei funciona e poucas cenas conseguem ser profundas evitando a sensação de correria.
O filme é bom como pipocão, se não estivermos procurando muito além do que uma diversão rápida e descartável, mas não vai marcar sua vida. A grande busca da vida de Victor Frankenstein é trazer alguém de volta à vida, mas talvez seja a hora de deixar a obra de Mary Shelley descansar um pouco mais.