Um Instante De Amor é um retrato brutal dos desenganos humanos
É muito comum tomar paixão por amor verdadeiro. Conhecer uma pessoa e se encantar pela sua beleza, simpatia e inteligência gera um sentimento tão intenso que a sensação seguinte é a de que o amor da sua vida foi encontrado e que ninguém mais é capaz de atrair a sua atenção. No entanto, na mesma intensidade em que tudo acontece, tudo desaparece, e quase nenhum resquício daquela chama intensa pode ser encontrado em nossa memória, senão cinzas muito escuras para sequer serem vistas. É no centro desses sentimentos mistos e confusos que Um Instante De Amor (Mal De Pierres), o novo longa da experiente diretora Nicole Garcia, toca profundamente, como poucos filmes sobre o assunto já o fizeram.
Baseado no excelente romance de Milena Angus e escrito pela própria diretora ao lado de dois colaboradores, Natalie Carter e Jacques Fieschi, o roteiro se concentra nos esforços amorosos de Gabrielle Rabascal (Marion Cotillard, vista recentemente no ótimo Aliados e no desastroso Assassin’s Creed). Considerada instável pela autoritária mãe, ela é intimada a casar, caso contrário, será mandada para um centro psiquiátrico. Tendo de escolher entre dois males, ela opta pelo menos doloroso e acaba se unindo em matrimônio ao silencioso José (Alex Brendemühl). No entanto, em decorrência de um problema renal, ela é encaminhada a um hospital e lá se apaixona pelo enfermo André Sauvage (Louis Garrel).
No filme, Gabrielle é a encarnação da paixão. Se fechando para a maioria das experiências externas e lendo romances sintomáticos de sua enfermidade emocional, como O Morro dos Ventos Uivantes (é feito um importante close up na capa do livro), ela sonha com o amor ideal. Mas não é somente isso que faz dela uma personagem trágica. Tendo crescido num ambiente autoritário e dominado pela repressão religiosa (o crucifixo em cima da cama não nos engana a esse respeito), ela desenvolveu uma sexualidade completamente disforme, a ponto de se masturbar com a água de um rio ou lamber intensamente um papel que contém uma mensagem do seu primeiro grande amor.
Assim, Marion Cotillard – numa das melhores performances de sua carreira – se mostra perfeita para o papel, já que o fato de parecer mais velha que a idade real da personagem é essencial para mostrar que a sexualidade reprimida e a idealização exacerbada do amor interromperam o desenvolvimento natural de sua juventude, transformando-a numa jovem presa no corpo de uma mulher adulta. Todavia, se nos aprofundarmos numa das questões, podemos chegar à seguinte pergunta: qual é o problema de esperar do amor um sentimento arrebatador? Nenhum, desde que não o confundamos com paixão e nem esperemos somente prazeres carnais e uma sensação constante de júbilo.
Uma vez cometido esse erro, o resultado pode ser desastroso, afinal, no caso de Gabrielle, aquilo que é reprimido, quanto mais o é, mais deseja ser libertado, e isso costuma se dar de maneira impulsiva e inconsequente. Porém, acima disso, foi a leitura de romances, que nada mais são senão cortes racionalmente dispostos da experiências e dos sentimentos humanos, que fez dela uma sonhadora contumaz e, talvez, irremediável. Em outras palavras, é por esperar do sexo uma experiência transcendente que ela transforma as relações sexuais que tem com o marido em um ato frio e sem vida. E é pelo anseio de um relacionamento amoroso perenemente intenso que não enxerga na compreensão e no companheirismo de José sinais do que é o verdadeiro amor.
O amor idealizado é uma doença
Com tanta cegueira, não é de se estranhar que não saibamos se a protagonista está ou não doente. Mas se engana quem acha que isso é uma oscilação indevida do roteiro. Viver em cima de um erro e à procura de algo que não existe é estar doente, na alma e no corpo. Não é à toa que a dor física que sente ocorre num local que pode ser associado ao baço, o que, na tradição literária, é comumente relacionado com a melancolia sentida pelos poetas sôfregos de amor.
Inteligentemente, é nesse rico simbolismo e na perfeita compreensão das indefinições características do amor que o roteiro do filme se estabelece e brilha, criando um emaranhado irresistível de sentimentos e pequenas tragédias. O plot twist final, por sua vez, pode desagradar, mas, além de ser completamente imprevisível, ao mesmo tempo que reforça toda a construção feita até então, soluciona a narrativa de uma maneira condizente, apontando para uma reflexão que deve partir não só dos personagens, como também dos espectadores. Afinal, estar vivo é amar. E cada um busca saber quais são as promessas que o amor pode cumprir.
Contando com um direção intimista de Nicole Garcia e uma fotografia cujas cores reflete tanto a tristeza quanto o calor internos de Gabrielle, Um Instante De Amor é um filme sem público específico. Para vê-lo e se comover com a sua história, basta ter amado em algum momento da vida e esperado do sentimento mais do que ele pode entregar. Possivelmente, o desejo da protagonista é alto demais para ser medida por réguas mundanas. Também há a chance de ele ser tão equivocado que a desilusão é o único caminho viável. Talvez, no melhor dos casos, ele só pode ser dado pelo Deus ao qual ela tanto roga. Mas isso não cabe a nós responder. Tudo o que nos resta é esperar.