Trama Fantasma carrega os acertos e máculas do seu diretor
Paul Thomas Anderson está ficando cada vez mais orgulhoso e auto-indulgente. Depois do assustadoramente ruim Vício Inerente, em que o livro de Thomas Pynchon foi usado como veículo para um exercício narrativo frívolo e entediante, chega aos cinemas Trama Fantasma (Phantom Thread), longa no qual todas as características do diretor estão completamente exacerbadas. A impressão é a de que, após atingir o ápice do seu cinema no ótimo Sangue Negro, ele optou por extrapolar o próprio estilo, em vez de encontrar diferentes soluções.
É claro que, por um lado, isso proporciona momentos excelentes. Anderson é um dos melhores diretores de sua geração e, quando acerta, mesmo que de uma maneira exagerada, o público tem a chance de assistir a verdadeiros espetáculos cinematográficos. Os minutos iniciais, por exemplo, são um deleite. Acompanhados pela trilha sonora de Jonny Greenwood, eles foram compostos de uma sequência de cenas que, graças à dinâmica estabelecida pela movimentação dos atores e pelo trabalho fluido de câmera e montagem, é uma valsa imagética e sonora que coloca o espectador imediatamente no ateliê e no corrido dia-a-dia do protagonista, o costureiro Reynolds Woodcock (interpretado por Daniel Day-Lewis).
Aliás, pode-se dizer que esse nível de excelência se estende pela primeira hora de filme. Embora em diferentes medidas (isso não é um trocadilho), a metade inicial — que quase funciona como um longo ato introdutório — é funcional. A lógica geográfica da casa em que a maior parte da narrativa se desenvolve é apresentada competentemente, as idiossincrasias e rotina de Reynolds se tornam rapidamente claras, a forma como ele fala com o seu primeiro interesse romântico é um anúncio sutil do tratamento que se repetirá posteriormente e a personagem vivida pela talentosa Vicky Krieps , Alma (cujo nome está relacionado ao despertar que ela ocasionará no protagonista), surge misteriosa e enigmática.
Já o desenho de produção e figurino não só recriam detalhadamente os aspectos da época (o filme se passa em Londres na década de 1950) — revelando, portanto, o contexto da aristocracia e realeza britânicas — como também preenchem o mundo dos personagens com beleza e precisão estética. Uma vez que as exigências profissionais e emocionais de Reynolds são altas (motivos pelos quais, inclusive, ele afasta quase todas as pessoas de sua vida) e os acontecimentos que marcam o desenrolar dramático da trama contrastam com o nível de perfeição visto na primeira parte, esses dois aspectos visuais são essenciais para explicar o protagonista e funcionar como plataforma de oposição.
Além disso, as performances que Anderson obtém dos três atores principais estão entre as melhores nas carreiras de todos os envolvidos (a outra atriz é Lesley Manville, que encarna Cyril, a irmã de Reynolds). No seu último papel, Lewis transmite através dos gestos concentrados, do corporal surpreendentemente móvel e do olhar focado toda a disciplina e destreza profissional do personagem (nos momentos vulneráveis, essa composição dá lugar a uma fragilidade física e emocional impressionantes); já Krieps (de O Jovem Karl Marx) usa os olhos para passar a tristeza e força que habitam o seu interior; e Manvillle, apesar de parecer vilanesca na maior parte do tempo (o que é proposital), mostra uma beleza interior admirável (principalmente na cena em que conversa com o irmão no seu escritório).
Ascensão e queda de um cineasta
No entanto, quando surgem os pontos de virada do roteiro (o qual foi escrito, como de costume, pelo próprio diretor), a construção erguida até então começa a desmoronar. É verdade que, embora a primeira hora de filme contenha todas as qualidades mencionadas acima, ela é prejudicada pela sensação de que Anderson está controlando cada elemento do filme. Obviamente, não há problema nisso, exceto quando esse controle é perceptível. Dificilmente sente-se que o drama é desenvolvido naturalmente pelo texto e a mise-en-scène de Anderson.
Mas, ainda assim, os destaques supracitados chamam atenção e garantem um sucesso parcial. Realmente, é a partir do momento em que Alma muda a sua posição no relacionamento que Trama Fantasma degringola. Dessa transformação em diante, Anderson sacrifica a veracidade dos personagens e os seus respectivos mundos interiores em troca de uma constante quebra de expectativas. Toda a beleza que existia na possibilidade de mudança é substituída por interrupções dramáticas decepcionantes. Amor, amizade e superação (como no lindo plano em que a câmera se aproxima do casal principal e se afasta do vestido — e da obsessão de Reynolds) são substituídos por sentimentos menores e experimentações de roteiro.
Isso é potencializado pela romantização infantil que Anderson faz da relação abusiva entre o casal principal, a qual é constituída por símbolos tolos (a doença como origem da vulnerabilidade emocional e a maldição que assusta o protagonista) e pela mesquinhez típica das abordagens cínicas. As escolhas feitas pelo cineasta na segunda metade impedem a história de alçar voos mais altos e vão por um caminho que delimita os personagens psicológica e emocionalmente. Tanto o aprofundamento espiritual vislumbrado como possibilidade quanto o mergulho na demência posterior não acontecem (como Martha, de Rainer Werner Fassbinder, faz).
Eventualmente, acabam aparecendo muitos cortes abruptos e o filme fica desconjuntado, sem uma noção exata de ritmo e montagem. É como se Anderson não soubesse exatamente como finalizar o longa e investisse em cenas que apenas reiteram o que já foi exibido anteriormente, isso quando elas não se alongam em tentativas frustradas de causar suspense ou tensão. Os poucos momentos de lucidez ou compaixão humana (a cena em que Reynolds se confessa na madrugada é de uma beleza arrebatadora) terminam não sendo suficientes para atenuar os outros equívocos.
Sob uma perspectiva mais ampla, todas essas ambivalências deixam claro que o cineasta ainda se encontra em um momento de transição na carreira. Nos últimos anos, ele vem optando por experimentações e radicalismos que ainda não encontraram o equilíbrio perfeito. Entretanto, é preciso dizer que há uma parcela preocupante de grandiloquência em Trama Fantasma (assim como existia implicitamente em Vício Inerente). Parece que o diretor entende a transformação do seu corpo de trabalho como um simples aumento do que foi efetivo anteriormente. Mas, até agora, isso não funcionou, e duvido que, se continuar dessa maneira, passe a funcionar.