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Tolkien – Ao contrário de sua obra, nada épico!

Tolkien é um filme corretamente executado, mas que não está à altura do homenageado

Uma cinebiografia é sempre um desafio. É difícil condensar uma vida inteira de conquistas, fracassos, nuances, alegrias e tristezas em duas horas de filme. Às vezes, o representado em questão facilita, e apenas o recorte de um momento interessante é o que basta no geral de uma vida comum e enfadonha como a de todo o resto. Não é o caso do homenageado em Tolkien, de Dome Karukoski, cuja vida ofereceu – quase por completa – material para uma grande obra cinematográfica.

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No caso, Karukoski tomou um decisão que, no saldo final, devemos apontar como equivocada. Não porque o filme seja ruim – para o espectador leigo, é um romance dramático consistente. Se muito, alguns podem considerá-lo, com alguma razão, genérico. Mas nada que prejudique a execução geral da película, que é correta, com alguns arroubos de criatividade interessantes, como as associações fantásticas feitas entre as experiências do protagonista, muito bem interpretado por Nicholas Hoult, durante sua participação na Primeira Guerra e suas futuras criações literárias.

O problema é o recorte feito pela narrativa. A escolha de roteiristas e diretor foi tentar criar uma linha do tempo relacionando a vida infanto-juvenil do autor com o gênese do seu legendarium mitopoético. Só que isso não é apenas equivocado, como em alguma medida objetivamente errada. E esses erros se tornam um pouco mais clamorosos com aqueles familiarizados com a comunicação epistolar do autor – vasta, para dizer o mínimo – e suas muitas biografias. Algumas escolhas, como a representação vaga da mãe de Tolkien, Mabel (Laura Donnelly) são uma questão de gosto. Este colunista sabe que a morte da mãe do autor causou um impacto muito maior nele do que a cena no filme demonstra, e isso incomoda.

Mas pior é a maneira linear e unidimensional como o gênio do protagonista é apresentado – como talento espontâneo e inato misturado aos traumas de guerra. Para Karukoski, a criação do universo fantástico mais vasto e complexo da história da literatura se resume à uma mistura alquímica simplista, e não como resultado de muito esforço por parte da mãe, do Padre Morgan (Colm Meaney) e dele mesmo, durante anos de estudo e dedicação aos seus estudos filológicos e míticos. É uma maneira boba de torná-lo um tipo de personagem fantástico que ele mesmo foi o maior responsável por transcender – o galante e casto cavaleiro que sobrevive a batalhas para ficar com a mocinha em seu castelo no final.

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Muita coisa muito importante fica de fora – aí inclusa sua relação com os Inklings e sua amizade com C.S. Lewis; a educação de seus filhos, profundamente influente sobre sua escrita; além – e mais absurdo – da publicação da obra pela qual se tornou mundialmente famoso, O Senhor dos Anéis. Isso é verdade de forma tão contundente que qualquer informação mais diretamente relacionável aos anos maduros de Tolkien surge de forma pincelada, indireta, como se os realizadores quisessem no lembrar perenemente do homem do qual estão falando.

Ao término da sessão, entendemos que a opção foi feita por economia narrativa – para não ter que entrar em méritos dos quais não estão dispostos a tratar, e não por quererem criar um clima sutil. O diretor e roteiristas escolheram por superestimar a importância dos eventos dramáticos e trágicos da vida primeva do autor, parecendo não entender que o que definiu seu legado foi justamente o que ele fez para superá-los.

Vitória élf… Digo, pírrica

De toda forma, como dissemos, nem tudo é uma nirnaeth arnoediad (uma brincadeira para os fãs de Silmarillion aí fora) no filme. O elenco é todo impressionante em suas atuações, com um destaque para a improvável Collins, dando o tom certo para uma encantadora Edith. Hoult, apesar de não ter qualquer tipo de semelhança nem remotamente com a figura real – o tipo de casting caça-níquel que eventualmente dá certo -, entrega uma interpretação dramática na medida certa, dando o tom da química com sua futura esposa. O elenco de apoio – tanto Meaney quanto o trio que completa a Sociedade Barroviana – são excelentes.

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Algumas realizações técnicas também chamam a atenção: a fotografia e direção de arte das visões fantásticas de Tolkien durante a Guerra têm um impacto tremendo sobre a audiência. Ponto para os responsáveis Lasse Frank Johannessen e Paul Cowell. Não obstante, como também dissemos, o filme não deixa de ser um romance consistente sobre um homem com talentos únicos e uma visão bastante particular de mundo e a mulher que foi sua âncora nele numa época em que ele parecia não ter mais nada nem ninguém como referência.

Assim, talvez não seja exagero dizer que somente os conhecedores mais aprofundados da vida do autor sentirão falta de alguma coisa. O que não deixa de ser uma pena, porque quem conhece sabe que a mente criativa desse homem era algo sui generis – daquelas pessoas que só aparecem uma vez a cada geração, como diz o chavão. O sabor final acaba sendo de algo genérico, como se pudéssemos substituir o protagonista por uma outra figura qualquer, e dificilmente alguém perceberia a mudança.

Dificilmente alguém irá chamar esse filme de “meu precioso”…

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