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O Som Sólido – Trilhas feitas para durar!

Trilhas sonoras inesquecíveis e que vão além do mero acompanhamento das cenas

“Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”. Com essa frase, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 – 2017) resume que, em tempos modernos, o presente é fluido como o líquido. Nada dura e tudo se adapta, da condição humana (o relacionamento interpessoal, o amor, os posicionamentos políticos) às tecnologias. O termo caiu como uma luva para iniciar este artigo. Porque, em se tratando de scores (trilhas sonoras), poucas das compostas neste século são “sólidas”, duráveis na memória do espectador.

Quando falo em trilhas sonoras “sólidas” (perdão Bauman, mas vou me apropriar do termo), são aquelas que, passados muitos ano, permanecem no imaginário do público e que contribuíram para o desenvolvimento das narrativas nas quais estavam inseridas. Talvez a mais impactante e que se tornou sinônimo de medo, é The Murder, composta por Bernard Herrmann para a famosa cena do chuveiro do clássico Psicose, de Alfred Hitchcock.  O icônico jogo de edição, é pontuado por histéricos violinos e um assustador violoncelo a medida que Marion Crane (Janet Leigh) é esfaqueada repetidas vezes por uma figura envolta em sombras. Desde então, ao ouvir tais acordes, aposto que se você estiver tomando banho,vai desligar o chuveiro e sair correndo.

O Som Sólido

A sensação de urgência, de perigo, trazida por The Murder para o espectador, retorna com o blockbuster Tubarão, de Steven Spielberg. Main Title (Theme from Jaws), composta por John Williams (que garantiu seu primeiro Oscar com ela) é uma composição baseada em duas notas e suas variações Aliada à uma poderosa ferramenta narrativa (não se vê o perigo, apenas a vítima, do ponto de vista do algoz), faz até hoje muito marmanjo ter medo do mar.

 Trilhas recicladas

Obviamente, o score é um importante instrumento de narrativa. Não somente pela memória afetiva, mas também pelo fator reciclagem. Em Kill Bill – Vol. 1, Quentin Tarantino, um reconhecido amante de trilhas sonoras, utiliza uma outra trilha de Herrmann, Georgie’s Theme (The Whistle Song), do filme A Morte Tem Cara de Anjo, de 1969, na cena de abertura. Essa música, posteriormente, foi sampleada inúmeras vezes, em comerciais e na trilha sonora da série American Horror Story. Mas nenhuma conseguiu manter a aura de perseguição sutil que havia em sua utilização original. O assobio crescente, com uma sutil orquestração ao fundo, tem um ápice agudo e traz uma sensação de inquietação que condiz com o contexto da cena. Ponto aqui para Tarantino.

Dario Marianelli, compositor italiano conhecido por suas trilhas em parceria com o diretor Joe Wright, faz um trabalho interessante em Desejo e Reparação. O compositor utilizou sons da máquina de escrever de Briony Tallis (Saorise Ronan) como parte do score, integrando-os à outros elementos da cena. Marianelli tornou a trilha simbiótica, uma parte de um todo. Agraciado com os principais prêmios daquela temporada,  seu trabalho, porém,não se fixou no imaginário popular. Dificilmente scores de histórias dramáticas arrebanham o grande público. Dificilmente, porém não raro.

Um dos grandes nomes na composição de trilhas sonoras, o maestro Ennio Morricone sabe como ninguém criar atmosferas. Seu trabalho em Era uma Vez no Oeste,dirigido por Sergio Leone, pontua brilhantemente cada etapa da jornada de vingança de Harmonica (Charles Bronson, assim como a incrível Man with a Harmonica. Esta última, inclusive, é diegética, sendo tocada pelo próprio personagem.

O Som Sólido

Morricone ainda nos presenteou com a inesquecível canção-tema de Três Homens em Conflito, talvez, uma das mais “sólidas” deste artigo, que se tornou sinônimo do gênero spaghetti western. Em Il buono, il brutto, il cativo (Main Title),o maestro utiliza sons como uivos de coiotes  e o silvo do vento, um ritmado coro  e um assobio marcante, criando um score que reforça a rigidez dos personagens e marca a trama. O desfecho, ao som de The Trio (Main Title), rearranja a composição original e se integra bem à edição da cena.

Apesar de todas as polêmicas nas quais  Quentin Tarantino sempre está envolvido, é inegável o talento que o diretor, ator, roteirista e produtor norte-americano tem para inserir referências em seus trabalhos. Assim, não é surpresa que Morricone, tenha sido utilizado como score paralelo nas obras de Tarantino e composto a trilha dos dois últimos filmes do diretor, Django Livre e Os Oito Odiados, pelo qual Morricone, depois de cinco indicações e mais de 300 trilhas compostas, merecidamente levou a estatueta dourada do Oscar.

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