Mesmo tendo participado de tantas febres infantis que explodiram nos anos 1990, como Power Rangers, Pokémon, Digimon, séries animadas de X-Men ou Homem-Aranha, certamente não fui fisgado pelo crescente sucesso das Tartarugas Ninja. O mesmo aconteceu com as investidas cinematográficas que o quarteto estrelou. Entretanto, por mais que eu fosse desinteressado pelas aventuras reptilianas, não consigo negar que a audácia e espírito empreendedor de Kevin Eastman e Peter Laird são inspiradoras. Além da interessantíssima proposta de criar uma obra visando homenagear os quadrinhos clássicos de Frank Miller como sua fase em Demolidor e na ótimo Ronin, criaram uma propriedade intelectual que valeria milhões de dólares em questão de poucos meses.
O primeiro longa concebido na produção de Michael Bay, após a compra da Nickelodeon sobre os direitos autorais do grupo ninja, se aproximava do tom um pouco mais sombrio idealizado por seus criadores. Mesmo com essa concepção um pouco menos abrangente, o filme foi um sucesso de bilheteria. Agora chega sua sequência, As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras (Teenage Mutant Ninja Turtles: Out of the Shadows) guiando a franquia para caminhos mais leves e próximos ao espírito da animação lançada em 1987.
Com a prisão de Destruidor, as tartarugas mutantes Raphael, Michelangelo, Leonardo e Donatello aproveitam a vida noturna de Manhattan – ainda que estejam restritos aos esgotos e sombras da metrópole, devido ao medo da reação popular à aparência peculiar do grupo. Porém, logo esse período de tranquilidade é suspenso. O invasor alienígena Krang libertou o vilão de seu encarceramento para auxiliá-lo na construção do portal para a Dimensão X, a fim de transportarem sua máquina de guerra suprema para dominar o mundo. Além disso, brutamontes geneticamente modificados, Rocksteady e Bebop, tornarão a missão do grupo ainda mais complicada.
Os dois roteiristas do anterior, Josh Appelbaum e André Nemec, retornam com um texto menos deplorável do que apresentaram anteriormente. Aliás, já é ótimo deixar claro que Fora das Sombras é um filme consideravelmente melhor do que As Tartarugas Ninja de 2014, porém isso não salva o novo trabalho dos recorrentes erros da dupla atrapalhada. Agora visando um público mais infantil do que o almejado antes, os autores parecem não se preocupar em oferecer boas soluções para os inúmeros problemas que criam, visando inserir reviravoltas para injetar vida ao filme. Para reparar na “qualidade” dessas resoluções segue um exemplo: Casey (Stephen Amell) intima um bartender a fornecer um GPS para localizar Bebop e Rocksteady. O homem recusa então Casey passa a destruir o bar até que ele ceda o dispositivo. Inacreditavelmente, o plano do vigilante dá certo. Ao longo do filme, outras soluções mais absurdas, fáceis e de cunho deus ex machina, marcam presença.
Essas escolhas são dúbias demais por três motivos: tudo é muito previsível, tudo é muito clichê e tudo é muito preguiçoso. Isso atinge diretamente o trabalho com os novos personagens – principalmente Casey Jones, já que Bebop e Rocksteady sempre foram personagens de alívio cômico com desenvolvimento pífio, até mesmo no seriado animado. A dupla mutante de capangas cumpre o propósito muito bem ainda que os roteiristas recorram, ocasionalmente, a piadas sem graça, escatologia e pouca ou nenhuma variedade de linhas de diálogo para os criminosos.Com Casey Jones, a dupla arrisca mostrar elementos novos na história do personagem, agora representado nas telonas como um policial impaciente que sonha em se tornar detetive, mas que mantém uma segunda vida como vigilante mascarado. Muito do núcleo dele pede bastante da suspensão da descrença, porém rende ótimos momentos cômicos em seus encontros com as tartarugas.
Aliás, são elas que possuem o melhor conflito do filme, ainda que seja inteiramente copiado de Shrek 2. Trata-se do velho dilema do ser ou não ser monstro, já que a gosma que Krang solta na terra tem a capacidade de reverter a mutação das tartarugas – algo que não faz muito sentido se pensarmos melhor, mas que desencadeia conflitos e situações que tangem o preconceito, a intolerância, a honestidade, honra e liderança e integridade do grupo. Claro, tudo muito superficialmente tratado, mas exposto com alguma competência. Isso também favorece o núcleo das tartarugas, que agora possuem muito mais tempo de tela do que antes. Infelizmente, o conflito inteiro é redundante, a jornada não se conclui apropriadamente.
Já Destruidor, Krang, April O’Neil, Vernon e Baxter Stockman são personagens de uma nota só. Não há nada que salve, incluindo a atuação bem medíocre do elenco “humano”. Só Tyler Perry salva com bons momentos de comédia e caricatura.
Na direção, por nossa sorte, sai Jonathan Liebesman, entra o desconhecido Dave Green. Assim como Liebesman, Green mimetiza os vícios de Michael Bay. A diferença mesmo se encontra no tom cômico, caricato e infantil que o longa assume. O diretor mexe bastante a câmera, optando por alguns planos sequência logo no primeiro ato – um desperdício aliás, já que a ação de combate só vem a partir da metade do filme. Algo que ele mantém e que continua bizarra é a movimentação das tartarugas, que sempre se movimentam com acrobacias radicais. Aparentemente, é impossível para elas andarem no simples passo de tartaruga.
A ação, em grande parte, também é boa e diverte bastante. Mesmo que ele utilize muitos instrumentos bizarros ou que não casam com a continuidade da cena, consegue montar a sequência de modo que o espectador entenda perfeitamente o que se passa na tela. Todavia, todo o cuidado em organizar uma boa sequência some quando o clímax da obra chega. Investindo muito pesado no CGI e com vários elementos acontecendo entre as lutas corporais das tartarugas, é praticamente impossível compreender as coreografias.
Não há muita coisa que sustente esse As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras. É um filme bem banal, clichê, previsível e bastante irrelevante, mas que funciona bem como entretenimento fácil e divertido. A ação, em sua maioria é boa e os efeitos visuais devem agradar. Os problemas, como de costume, se concentram mais no roteiro, que burocratiza demais uma narrativa simples, oferecendo soluções e desenlaces ainda mais frágeis. Certamente, não é o filme que os fãs do quarteto mutante de tartarugas ninjas renascentistas tanto clamam, mas é uma obra que pode se revelar um prato cheio para uma nova geração de crianças.