A juventude e meia idade em Trainspotting 2
Como a juventude é cruel! É a época da vida em que precisamos fazer as escolhas que delinearão o nosso futuro, mas, ironicamente, também é a época em que somos imaturos e não temos o acúmulo de experiências necessário para fazer essas escolhas de uma maneira madura e consciente. Para piorar, leva-se uma quantidade de tempo considerável para descobrirmos se as decisões tomadas foram corretas ou não. O resultado disso tudo, geralmente, é a decepção e o posterior arrependimento por ter escolhido trilhar um caminho em vez de outro. T2 Trainspotting (Idem), ou simplesmente Trainspotting 2, a sequência do icônico filme de 1996, é justamente sobre esses arrependimentos provenientes das escolhas feitas na juventude.
Se passando 20 anos depois do anterior, o novo filme acompanha os personagens em uma nova fase de suas vidas: a meia idade. Duas décadas depois de trair os amigos, descobrimos que Renton (Ewan McGregor, visto em Nosso Fiel Traidor), o protagonista do primeiro filme e desta sequência, está livre das drogas e trabalhando como contador no setor administrativo de uma empresa. Indo visitar o pai após o falecimento da mãe, ele resolve reencontrar algumas figuras do passado, entre elas, Simon (Jonny Lee Miller), que está ganhando a vida trabalhando como chantagista, e o inocente Spud (Ewen Bremmer), que sucumbiu mais uma vez ao vício de heroína. Já Begbie (Robert Carlyle) acabou de fugir da prisão, retornando à casa e à vida de ladrão.
Dirigido novamente por Danny Boyle (que comandou recentemente a cinebiografia Steve Jobs), Trainspotting 2 contém algumas das invencionices visuais e sonoras que transformaram tanto o primeiro filme quanto o seu diretor em objetos de veneração: estão lá, ao longo da projeção, os planos desconcertantes, os ângulos nauseantes, a montagem alucinante e com construções paralelas estranhas e aparentemente desconexas, a trilha sonora composta por trechos de música popular e a fotografia esquizofrênica – no bom sentido, claramente -, que alterna cenas iluminadas através de luz natural com outras iluminadas com luz neon chamativa.
Felizmente, ao invés de soarem atrasados, repetitivos ou nostálgicos demais, esses recursos – e a sua recorrência – soam surpreendentemente arrojados, e, por mais que os tenhamos visto no primeiro filme e em outras obras de Danny Boyle, ainda assim eles funcionam. Além disso, não há como não sorrir ao ver algumas das novidades visuais do cineasta, como a excelente ideia de recriar digitalmente na lateral de um carro parte do conteúdo de uma história contada por Renton, ou, numa cena feita a partir de alguns vídeos de segurança, a ideia de colocar no lugar das cabeças dos personagens as de desenhos animados, ou até mesmo a aparição dos números dos andares na lateral externa de um prédio. Isso sem falar, é claro, dos segundos finais em que a câmera se afasta, recriando a extensão de um trem (e fazendo, assim, uma inteligente referência ao título do filme).
E é um grande mérito de Boyle e do roteiro escrito por John Hodge (adaptado, obviamente, a partir dos romances de Irvine Welsh) o fato de que essas escolhas visuais realizadas pelo diretor e sua equipe nunca pareçam ser injustificadas. Se, em si mesmas, elas não encontram referências em nenhum outro ponto da narrativa a não ser nos momentos exatos em que surgem, por outro lado, na sua irreverência, elas refletem de uma maneira inteligente e até mesmo comovente a totalidade da história narrada. Afinal de contas, por mais que a trama do filme se passe vinte anos após a da obra anterior e quase todos os rostos estejam muito mais envelhecidos, os personagens continuam sendo crianças presas em corpos de adultos, detentoras de um espírito jovem, inquieto e febril.
O roteiro de Hodge
No entanto, há algumas irregularidades no roteiro escrito por Hodge. Uma das que mais chamam atenção é a velocidade com que alguns eventos ocorrem, como a mudança de sentimento de Simon em relação a Renton, indo do ódio irrefreável ao perdão completo muito abruptamente. Outro momento negativo que deve ser destacado é a forma inverossímil com que Begbie foge da prisão (nenhum policial deixaria um prisioneiro livre daquele jeito), mostrando uma certa preguiça de Hodge na hora de solucionar alguns problemas narrativos. Isso, aliado ao fato de que nenhum policial vai atrás de um sujeito que está foragido, acaba por piorar a situação. Por fim, há uma certa pobreza na concepção da trama principal – envolvendo a obtenção de um dinheiro para a abertura de uma sauna -, uma vez que é parecida com a do primeiro filme.
Porém, como Trainspotting 2 é sobre os seus personagens, essas irregularidades empalidecem frente à força que eles demonstram nesta sequência. Mais velhos, arrependidos e carregando cicatrizes no coração e na mente, Renton, Simon e Spud vivem uma vida solitária. Tentando ainda construir carreiras para si mesmos – numa fase da vida em que deveriam já estar colhendo os frutos – e sem familiares para abraçar (a cena em Renton visita o pai e vemos a sombra da falecida mãe na parede é devastadora – aliás, Boyle usa o recurso da sombra numa outra belíssima cena envolvendo o vício de Spud), eles são seres que encontram força apenas na nostalgia dos dias de juventude. Isso, juntamente com os intermitentes e tristes acordes da trilha sonora, estabelecem uma atmosfera melancólica que parece nos engolfar tanto quanto os personagens. Dessa maneira, tem-se uma narrativa, na maior parte do tempo, emocionalmente intensa.
Reverencial, nostálgico e poderosamente atual (o discurso feito por Renton no restaurante fará muita gente sair da sala de cinema com uma pulga atrás da orelha), T2 Trainspotting também é divertido, despretensioso e prazeroso de ser acompanhado. É como um jantar com amigos de infância: lembramos do passado, rimos das travessuras, lamentamos o fato de não sermos mais crianças, falamos sobre o momento atual e os nossos planos para o futuro. Tudo acaba sendo muito agradável. Mas, quando chegamos em casa, não conseguimos deixar de não sentir uma certa tristeza ao ver que tanto nós quanto os nossos amigos se afastaram não só das pessoas que costumavam ser, como do ideal que planejavam atingir. Ao final da noite, seremos acompanhados apenas pelo ressentimento de ter desperdiçado todo o potencial que a juventude prometia.