Mesmo formulaico, Somente o Mar Sabe convence
Se observarmos a carreira do diretor James Marsh, vemos que ele tem predileção por histórias incríveis protagonizadas por pessoas extraordinárias, como visto em A Teoria de Tudo e O Equilibrista. Pois bem, seu novo longa Somente o Mar Sabe (The Mercy), aparenta ser mais uma narrativa clichê de superação, mas se revela uma história forte e realista.
Baseada em fatos, a história se passa no final dos anos 1960. O protagonista é Donald Crowhurst (Colin Firth, de Kingsman e sua continuação), um inventor que vive em uma pequena cidade no litoral da Inglaterra, cujo hobby é velejar. Um dia, Donald decide participar de uma corrida naval que atravessará todo o globo e vai atrás de patrocinadores para construir um barco que ele mesmo projetou.
Quando o barco fica pronto, ele se despede da esposa (Rachel Weisz, de Negação) e dos filhos para viver a grande aventura. Mas as péssimas condições da embarcação e sua clara inexperiência como navegador farão Donald mentir sobre a sua real localização, iludindo a todos que está ganhando a corrida, quando na verdade está bem longe do curso.
Em seus primeiros minutos, o filme parece ser mais uma história bonitinha de superação e sonhos, mas vai se tornando cada vez mais realista e cruel. O roteiro de Scott Z. Burns se mostra preciso na construção da situação e dos motivos que levam o protagonista a mentir, apesar do excesso de frases de efeitos clichês como: “pessoas ordinárias fazem atos extraordinários” ou “viva e dê amor”. Mas, no geral, é um roteiro coeso que acerta em evitar que os personagens sejam vistos de maneira caricata, o que poderia acontecer com os patrocinadores, se fossem retratados como vilões, mas entendemos a pressão sobre o protagonista e suas ações.
A direção de James Marsh é contida e bem melhor do em A Teoria de Tudo. Além de evitar aquele filtro de Instragram na fotografia, o diretor evita usa truques baratos para tirar lágrimas do espectador, confiando na linguagem e nos atores. É só notar na diferença das cenas na Inglaterra e no barco de Donald. Enquanto a primeira tem uma câmera fixa e que deixa tudo ensolarado, a segunda não para de se mover e utiliza grandes planos abertos que deixam claro a solidão e o estado mental do protagonista. Outro exemplo pode ser visto nas cenas dentro do convés, onde o uso de sombras e do espaço aumentam a sensação de claustrofobia.
Mesmo disciplinado, Marsh não consegue evitar que seu filme fique cansativo e repetitivo no ato final. Não ocorre nenhuma mudança de configuração, apenas a coisa mesma várias vezes: corta para Inglaterra, onde Donald é visto como herói, e volta para o personagem perdido, envergonhado e delirando. E isso cansa, porque a situação está clara para o espectador.
Inglaterra: Melhor escola de atores
O que realmente chama a atenção no longa é a força de suas atuações. O elenco está muito bem encaixado e todos entregam bons trabalhos, ainda mais por estarmos falando de atores competentes, como Rachel Weisz, David Thewlis e Mark Gatiss, fazendo um trabalho digno com seus personagens. Mas o grande destaque fica por conta de Colin Firth. Mesmo não sendo um dos atores mais versáteis, sempre foi dedicado e esforçado, conseguindo aqui criar um personagem que faz o público compreender tudo que passa em sua cabeça pelo seu olhar. O intérprete consegue transformar Donald de um sonhador em uma figura triste e envergonhada com cuidado, sempre deixando claro o amor por sua família como um norte.
É um belo trabalho que mostra que o apelo dramático de Firth pode ser mais bem explorado, pois esse é um papel bem diferente dos que estamos acostumados a vê-lo interpretando. Se ficou um tanto marcado por tipos mais introspectivos, aqui vemos um tipo sonhador com um discurso ambicioso, capaz de fazer qualquer um comprar suas ideias. É um trabalho admirável.
Somente o Mar Sabe é um longa consistente, apesar de esquecível. Há uma bela história, contada de maneira honesta que evita o maniqueísmo – e a obviedade – e tem boas atuações. Pena que faltou algo para ser memorável.