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Sieranevada – Se tivesse uma hora a menos, seria uma obra-prima!

Sieranevada

Sieranevada

No documentário Tempo de Viagem, o cineasta russo Andrei Tarkovsky, ao falar sobre os diretores que o influenciaram, diz que os filmes do italiano Michelangelo Antonioni lhe ensinaram que gritar “Ação!” não significa necessariamente que aquilo que está prestes a ser filmado envolverá algum tipo de ação, conflito ou movimentação. Antonioni era conhecido por seus filmes lentos, contemplativos e repletos de tempos mortos. Ele acreditava na recriação do ritmo da própria vida como reveladora de verdades profundas sobre o ser humano, que nos gestos banais e automáticos daqueles momentos em que nada de dramático ou conflituoso aconteciam estavam contidos elementos essenciais para a compreensão do Homem. Um outro diretor que obviamente acredita nessas mesmas coisas é o romeno Cristi Puiu, como comprova este bom Sieranevada (idem).

No filme, Lary (Mimi Branescu) é um médico de meia idade a caminho de um almoço em família. Ao lado de Doamna (Mirela Apostu), sua esposa, ele participará, na casa da mãe (Ioana Craciunescu), de um ritual religioso em homenagem ao pai, falecido dias atrás. Lá, junto às irmãs e vários outros familiares, enquanto esperam a chegada do padre que está atrasado, eles brincam, conversam e passam a limpo problemas mal resolvidos, tanto do passado recente quanto do passado longínquo.

Os primeiros minutos de Sieranevada já são um forte indicativo do que serão as três horas restantes: a câmera, que está posicionada a uma certa distância, mostra um carro chegando e parando na rua. Dele, saem Lary, Doamna e a filha mais nova. Eles entram num apartamento mas o espectador continua acompanhando o mesmo plano. Aparece uma van buzinando para que o carro de Lary saia da frente. Lary desce com a esposa, esta pega algumas malas e sacolas e diz um palavrão para o marido (“Espere um pouco, cacete!”), enquanto ele entra no carro e dá uma volta no quarteirão. Novamente, nesse meio tempo, o espectador permanece assistindo ao mesmo plano, acompanhando Doamna realizar uma conversa inaudível com a filha e a babá que também desceram do apartamento. Enfim, Lary chega, estaciona o carro na calçada e troca algumas palavras também inaudíveis com a mulher e a filha. Há um corte e entram os créditos iniciais.

Sieranevada

Toda a lógica visual, sonora e temática dessa cena inicial será repetida com um grau maior ou menor de fidelidade no restante do filme. Num ritmo idêntico ao da vida real, a câmera acompanhará pacientemente os personagens, até mesmo naqueles momentos em que aparentemente nada acontece, em busca de uma interação, fala, ato ou gesto cuja beleza ou verdade mereça ser captada; conversas serão entrecortadas ou se tornarão inaudíveis por causa de portas que se fecham ou pela distância que o diretor faz questão de manter; e o amor e a dor presentes nas relações daqueles familiares serão cobertos por piadas, xingamento e muita, mas muita briga.

A principal intenção de Cristi Puiu ao investir nessa estrutura é colocar o espectador no meio daquele seio familiar e fazer com que ele se sinta como um parente dessas pessoas. Acompanhando de perto, durante três horas, os dramas daqueles personagens, o público se sente um membro da família que, ao invés de agir ativamente, assiste a tudo de maneira passiva. Para isso, Puiu e Barbu Balasoiu, o diretor de fotografia, investem na maior parte do tempo numa câmera que permanece no corredor do apartamento realizando giros de 180 graus em busca de momentos em que o caráter e a personalidade de Lary, Doamna, da matriarca e dos outros familiares apareçam. Quando esses instantes surgem, há um corte para os cômodos onde eles acontecem e aí Puiu e Balasoiu trabalham com uma decupagem mais clássica, alternando entre planos abertos e médios.

Vale ressaltar também que, embora essa abordagem estética flerte constantemente com o documentário, toda a movimentação dos atores foi pensada e desenvolvida com o máximo de apuro e sincronia. A marcação de cena é feita como no teatro, onde cada ator sabe de antemão o próximo passo. Essa rigidez e destreza na hora de compor a encenação deixa ainda mais impressionante o tom documental – além da sensação de que o público é também um membro da família – que Puiu consegue criar. No entanto, por mais que a criação dessa sensação seja um dos principais objetivos do diretor, Sieranevada tem um protagonista que guia e reflete o espectador ao longo de toda a projeção, e ele é Lary.

Sieranevada

Embora não esteja presente em todas as cenas, Lary é a mente, os olhos e ouvidos do público. Quando ouvimos algo cômico, Puiu exibe o protagonista e percebemos que ele tá rindo como a gente; quando estamos cansados, vemos que Lary também tá exausto; quando achamos alguma coisa absurda, Puiu mostra que o protagonista está tendo a mesma reação. Não é à toa que, nos momentos mais conflituosos, o diretor sempre coloca Lary nos cantos do quadro, como se estivéssemos vendo aquele mundo sobre os seus ombros ou ao seu lado. Além disso, a cena mais poderosa do filme foi destinada ao protagonista. Se passando dentro de um carro (o que é uma rima maravilhosa com o início do filme), esse momento é a primeira vez que Lary se abre para a esposa sobre alguns eventos do próprio passado. O diretor poderia compor planos fechados que intensificassem o poder dramático do relato, mas isso não só seria incompatível com a estrutura visual estabelecida pelo cineasta ao longo da obra, como seria simples e ordinário. Ao invés disso, ele filma o casal de costas num longo plano e posiciona Lary no lado esquerdo do quadro (sempre o mais fraco), o que mostra tanto a vulnerabilidade do protagonista naquela situação como possibilita ao diretor refletir os olhos do personagem no espelho retrovisor, que, por sua vez, é uma rima visual poderosíssima com o relato sobre o passado.

No entanto, se todos esses destaques mencionados acima transformam o filme numa experiência prazerosa e intelectualmente recompensadora, a metragem excessiva logo exaure as boas ideias, transformando-as em algo corriqueiro, uma vez que o público se acomoda a elas. Ademais, o ritmo longo e as cenas em que quase nada acontece logo se tornam cansativas. Pode ser que a intenção do diretor fosse recriar em alguns momentos a experiência do tédio, tão comum ao cotidiano humano, mas fazer isso várias durante três horas não é uma ideia das mais interessantes ou brilhantes.

Com um humor afiado, discussões sobre temas pertinentes aos dias de hoje como o 11 de Setembro, os atentados terroristas ocorridos recentemente na França e o passado monarquista e comunista da Romênia, e um elenco homogeneamente em ótima forma, Sieranevada foi o escolhido pelo país romeno para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Se tivesse comprimido todas as ótimas ideias que teve em uma obra com apenas duas horas de duração, Cristi Puiu e os produtores sairiam do Teatro Dolby com a estatueta em mãos, mas ao esticar o filme por mais uma hora, Puiu impediu que seu filme se transformasse numa obra-prima. Infelizmente, tudo o que restou foi apenas um bom filme.

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