Qual a sua opinião sobre os millenials? Se ela for positiva, feche a janela, ignore completamente esse colunista e vá assistir a O Plano de Maggie (Maggie’s Plan) numa boa. Tenha certeza de que você vai se divertir bastante com o novo filme da queridinha do público feminino, Rebecca Miller. Agora, se você, como esse colunista, tem profundos problemas com os padrões de comportamento dessa geração, então esse texto serve de alerta para você.
O plano da tal Maggie (Greta Gerwig) é um breve resumo daquilo que Zygmunt Baumann explica sobre as relações afetivas interpessoais na pós-modernidade – ou são muito frágeis e volúveis, ou simplesmente inexistem. Como alguém completamente incapaz de manter uma relação séria, adulta e de longa duração com outro ser humano maduro – pacote básico de qualquer millenial – Maggie decide dar um passo adiante na vida de maneira “artificial”: ela decide ter um filho através de auto-inseminação. O plano em si não chega a ser esdrúxulo, pois milhares de mulheres em muitos lugares do mundo realmente consideram – e ela de fato é – uma opção como qualquer outra. Mas conforme vamos nos aproximando da personagem, vemos que essa decisão na verdade é um grande sintoma que resume quem ela é.
A própria escolha do doador deixa bastante claro que, como qualquer millenial, uma decisão que se pretende ser racional, na verdade, é apenas uma extensão da maior habilidade dessa geração: olhar para o próprio umbigo. O escolhido é um cara genérico dentro do padrão hipster de ser: barba desgrenhada, uma incapacidade crônica de usar roupas adultas, um negócio de teor exótico (ele é um pequeno empresário de picles artesanais) e, claro, uma sensibilidade inerente à sua percepção única da existência. É um tipo tão genérico que o nome do cara é, de fato, Guy (Travis Fimmel) – “cara”, em inglês.
Até aí, vá lá, pois pessoas assim existem. Se a trama for interessante, por que não dar uma chance a esses personagens genéricos que querem muito ser “exóticos”? Porque é aqui que essa história de pessoas irritantes, inevitavelmente, se torna irritante.
Quando Maggie está prestes a tomar uma de suas poucas decisões adultas, entra na sua vida, de maneira completamente desajustada, o neurótico John (Ethan Hawke). John é professor de antropologia ficto-crítica, um campo de estudo acadêmico genuíno e sério, mas que aqui é usado como gancho para ironizar seu comportamento errático e inseguro, além de seu relacionamento com Georgette (Jullianne Moore), uma também professora de antropologia. Georgette é, de início, o exato oposto de John – enquanto este é até demasiadamente sociável, mas no seu íntimo é cretinamente carente, como qualquer millenial, Georgette é um ególatra à beira do narcisismo, comportando-se de maneira distante e “profissional” até mesmo em relação aos filhos.
Obviamente, favas contadas, John, um poço infindável de carência, apaixona-se por Maggie, a encantadora figura hipster incapaz de se conter diante de uma situação evidentemente insustentável. Mas, afinal, desde quando algum millenial se importa com as consequências das suas ações, desde que ele possa “viver a vida”, certo? Pois bem, John e Maggie agora estão juntos.
O filme deveria ser uma comédia romântica. Mas aí eu volto ao que escrevi no início da coluna: se você compartilha características com essa geração, nem deveria ter chegado até aqui, já que a parte da comédia simplesmente inexiste. O que deveria ser risível é somente na verdade profundamente chato. A incapacidade de qualquer um dos personagens em lidar com outras pessoas como adultos normais provoca uma série de reviravoltas, que nem são absolutamente surpreendentes. Porque se você – e isso não é muito difícil – rapidamente capta que todos os protagonistas são neuróticos, possessivos e controladores à sua própria maneira, mas sem saberem o que querem da vida – como bons millenials que são – você também rapidamente entende que, no fundo, aquela trama não vai dar em nada. É como se Woody Allen de repente decidisse começar a escrever textões no Facebook – tendo sobre o público a mesma taxa de efetividade que esses próprios textões tem sobre que os lê: quase nenhuma.
A pior parte é perceber pequenas questões óbvias que deveriam servir como isca para fisgar o afeto do espectador, que acabam de fato apenas repelindo-o, devido a maneira irritantemente chata como são apresentadas – ao menos, repelindo pessoas mentalmente adultas, que não tem paciência para pessoas deliberadamente neuróticas e indecisas, sem qualquer capacidade de auto-análise. O primeiro sinal amarelo é a própria presença de Greta Gerwig, nova musa “d@s” (argh…) hipsters. Desde que os millenials fizeram aquilo que fazem de melhor e descartaram a sua última, Zooey Deschanel, arremessando-a no oblívio junto com (insira aqui banda x que fez sucesso somente durante a semana passada entre esse público), Gerwig ocupa o seu lugar como “figura bonitinha de um jeito precisamente desleixado”.
Além disso, devido ao teor do seu “plano” e a instabilidade emocional do seu interesse romântico, o filme assume um pretenso papel feminista, onde a protagonista necessariamente acaba enfrentando as consequências que deveriam ser derivadas do fato de ser uma mulher e independente, mas que são, na verdade, reações óbvias às ações de pessoas imaturas que não sabem o que querem. Rebecca Miller, que dirige, produz e compartilha o roteiro com Karen Rinaldi, tenta em vários momentos do filme tornar explicita essa impressão, claramente nos dizendo que esse é um momento de fragilidade das pessoas em geral dentro da sociedade. Como se o plano de Maggie na verdade fosse um tipo de grito de auto afirmação de uma geração que sofre com incerteza, diante de um mundo cujas relações partem e resultam em frangalhos. Mas o resultado é uma trama chatinha, genérica, com protagonistas que, no geral, são adultos irritantes e irresponsáveis.
Incidentalmente, os únicos personagens com que uma pessoa normal assistindo isso consegue se identificar são os personagens de Bill Hader e Maya Rudolph. Isso porque eles são, de fato, as únicas pessoas normais com trabalhos comuns e vida familiar normal em toda a trama. E entenda, amigo leitor, antes de começar a me espinafrar por estar fazendo uma ode ao pequeno núcleo familiar de classe média burguês, que estou simplesmente ressaltando o fato de que essas pessoas, com essas características, são as únicas que de fato sabe, o que querem da vida, e, portanto, as únicas em que se confia alguma estabilidade durante o filme. Sintomático, não?
Minha sorte é que dificilmente o público alvo dessa crítica a lerá. Porque o público alvo dessa crítica está muito ocupado fazendo saraus de poesia pós-moderna e de afirmação de gênero, ou então tentando descobrir como fazer algum dinheiro nos seus canais do Youtube, gravando as suas opiniões profundamente pensadas em cinco minutos depois de ler um textão no Facebook. Ou simplesmente abrindo caixas.
Nunca pensei que fosse viver para me tornar o velho ranzinza da história,mas toda vez que vejo alguém como essa Maggie – e a profusão é imensa – sou possuído pela urgência de dizer uma única coisa…
CRESÇAM!