Parasita consagra o sul-coreano Bong Joon Ho como um dos melhores realizadores da atualidade
Num ano repleto de produções instigantes, tanto na competição oficial como nas mostras paralelas, o Festival de Cannes surpreendeu muita gente ao premiar Parasita (Gisaengchung) com a cobiçada Palma de Ouro de Melhor Filme. Surpresas à parte (inclusive para o Brasil, que conquistou o Grand Prix da mostra Un Certain Regard com A Vida Invisível), muitos devem estar se perguntando se o novo longa do sul-coreano Bong Joon Ho (do ótimo O Expresso do Amanhã) é tudo isso que os críticos e os espectadores estão falando. E a resposta é um sonoro e longo sim.
Parasita conquista, num primeiro momento, pelo insólito. Somos apresentados à família do jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), que vive espremida em um minúsculo apartamento, que torna-se ainda mais insuportável em dias chuvosos, já que fica abaixo do nível da rua. Quando o adolescente tem a oportunidade de dar aulas particulares para a filha mais velha da família Park, que vive em uma confortável e moderna mansão em um bairro nobre, o talento para a enganação da família aflora em níveis altíssimos. Para garantir uma vida melhor, Ki-woo vai indicando sua irmã Ki-jeong (So-dam Park), seu pai Kim Ki-taek (Kang-ho Song) e sua mãe Choong-sook (Hye-jin Jang) para ocuparem cargos de tutores, governanta e motorista dos Park.
Nem a falta de escrúpulos da família protagonista é capaz de amenizar a empatia do espectador com Parasita. Por conta das doses homeopáticas de humor presentes nos personagens centrais, é comum que haja, inclusive, uma torcida para que os planos mirabolantes de Ki-woo dêem certo. A opção do roteiro por apresentar o casal Park (interpretado por Yeo-jeong Jo e Sun-kyun Lee) como o estereótipo da classe alta oriental deslumbrada com tudo que vem dos Estados Unidos rende sequências ótimas e dúbias, já que por baixo das roupas de grife e da louça cara se escondem opiniões nada elegantes.
É preciso ver
Apresentar ao prezado leitor mais informações sobre a trama seria estragar a experiência cinematográfica que é Parasita. Num determinado ponto, passamos a ser surpreendidos a cada minuto por acontecimentos que beiram o fantástico. A frase “isso não vai dar certo” surge em nossas cabeças uma dezena de vezes ao longo das mais de duas horas de projeção. E lá vai Bong Joon Ho nos provar porque é um dos melhores cineastas da atualidade e consegue se destacar mesmo dentro de uma filmografia maravilhosa como é a sul-coreana.
Em conjunto com o roteiro preciso, Parasita tem um elenco digno de aplausos. Há um equilíbrio nas atuações, que funcionam tanto nos monólogos como nas cenas lotadas, bem ao gosto de Robert Altman, só que temperadas com piadas ácidas e dúbias, violência oriental (quem gosta do sangue escorrendo em produções atuais sabe do que estamos falando) e suspense digno de um fã de Hitchcock. São tantos gêneros que surgem durante o filme que fica difícil até encaixá-lo em um na hora de determinar a quem ele vai agradar. Mas, diferente de outros exemplares que se propõem o desafio de ser muitos filmes em um, Parasita sabe a hora certa de apostar em cada um deles.
Em meio a sujeira, sangue, mentiras e algumas obsessões (a cena de sexo no sofá do casal Park deixa claro que aquela família comercial de margarina é para enlouquecer até o mais organizado dos seres humanos), o longa impressiona pelas escolhas da fotografia, que marca com força a diferença entre o mundo escuro e minúsculo da casa dos Kim e o universo iluminado e amplo dos Park, e pela ousadia de mudar de tom sem perder o rumo da história. A câmera nos convida para entrar naquelas casas, a conviver com aqueles objetos repletos de significados e a compartilhar das loucuras da família Kim para manter sua farsa crível. O objetivo é mais que alcançado no momento em que nos damos conta que há muito mais segredos do que imaginávamos no início da sessão. E que eles podem aumentar em uma revisão, algo necessário e sugerido para Parasita.
Soltar a polêmica frase de que esse é um dos melhores filmes do ano, numa safra fraca, porém surpreendente como foi 2019, pode soar como exagero. Mas o que não se pode negar é a força de Parasita em nos tirar do lugar comum, em armar o bote e nos fazer desejar pela próxima peça que será pregada. Bong Joon Ho não é oportunista, mas um cineasta inteligente e que respeita seu público. Deixa nas entrelinhas vários temas, criando um clima perfeito para seguir com o filme na cabeça por dias à fio. Ou meses. Um parasita agradável de ter.