Como não havia lido sobre este filme antes, somente ao ver os créditos finais descobri uma informação inesperada e interessante sobre este O Homem Duplicado… é baseado em um livro de Jose Saramago. Das obras que conheci do autor, me corrijam se estiver errado, fica difícil imaginar o estilo deste escritor com o que o diretor canadense Denis Villeneuve transpôs neste seu mais recente trabalho no cinema. Não li o livro e, se você leu o leu, por favor, me conceda a informação de que é uma adaptação fiel. Aí sim, ficaria espantado porque não consigo associar o estilo do autor com o filme. Espero seu comentário sobre isso, se eu estiver enganado!
Deixando de lado a fidelidade ao romance, até porque comentamos aqui o cinema e não a literatura, não tenho dúvidas de que o filme, cujo nome original é Enemy, entra para a categorização “ame ou odeie” e irá gerar comentários dos mais distintos nas saídas dos cinemas brasileiros, que a partir deste final de semana o recebe de braços abertos em suas salas (acredito que não em grande circuito).
Lá fora dividiu opiniões. Isto não é de se espantar quando encontramos um filme em que nada é muito óbvio, e você, desde o início, tem a sensação de que se perder um diálogo ou imagem sequer, seu entendimento pode ficar comprometido. O diretor Denis Villeneuve, diferente de seu último filme Os Suspeitos, que tem uma trama mais pé-no-chão a lá Seven do diretor David Fincher, usa novamente Jake Gyllenhaal como ator principal e veio desta vez para confundir o espectador. Inclusive, Gyllenhaal nesta atuação lembrou a obscuridade de seus tempos de Donnie Darko.
A premissa é simples, mas animadora e misteriosa. Gyllenhaal inicia a história como Adam, um professor de história, de uma faculdade canadense, que tem uma vida monótona e programada. Enquanto leciona sobre ditadura e faz questão de dizer que a história da humanidade sempre se repete, sua vida parece fortalecer o que ensina para seus alunos. Aula durante o dia e sexo com sua namorada a noite, repetidamente. Porém, tudo muda quando descobre, ao assistir um filme indicado por um colega professor, a presença de um ator igual a ele. Decide então conhecer este sósia.
A narrativa proposta por Villeneuve não vai agradar a todos (mais um filme assim!) e, sem querer ser o cara “do contra”, agradeço muito por existir filmes deste tipo. É lento sim, mas em nenhum momento desvia do clima sombrio e tenso que o cerca em cada cena, além de ser profundamente inquietante, no bom sentido. O diretor capricha na frieza do cenário e parece querer entregar pistas da trama através de imagens rápidas. Em um determinado momento, você terá a sensação de que cada cena, ou mesmo imagem, tem uma razão de ser e não está lá à toa. Há tempos não via um filme tão detalhista neste sentido, pelo menos esta foi a impressão que tive.
Extremamente interessante também é a força que o diretor dá para personagens de papéis secundários. A mãe de Adam, interpretada por Isabella Rossellini (Veludo Azul), é marcante e fundamental para a história, mesmo aparecendo fisicamente somente uma vez. Outro exemplo é a participação relâmpago do colega de trabalho de Adam, que reforça a ideia de que todos os diálogos parecem ter um propósito e são vitais para a trama.
Sem a pretensão de entender toda essa viagem e não querendo prolongar os comentários para deixar o sabor das descobertas para você, não acredito que há respostas para tudo e talvez esta nem seja a intenção do diretor, o que reforça a ideia de um filme basicamente interpretativo. Há muita simbologia presente (as aranhas você não vai esquecer!) e a discussão sobre culpa e adultério parece mais evidente a princípio, mas há muito mais para se tirar proveito. O importante é que não senti uma vontade de Villeneuve em enganar o público, ou confundi-lo simplesmente por confundir. E se não bastasse o filme ser intrigante desde o início, o desfecho foi um dos mais interessantes e perturbadores, sem ser apelativo, que vi neste ano. Alguns não vão gostar, mas a certeza é que você não deverá esquecer tão fácil.
Por fim, O Homem Duplicado assegura que o diretor Denis Villeneuve, oriundo da terra de David Cronenberg, é um nome forte do cinema atual. Seu Incendios de 2010, que concorreu ao Oscar de Filme Estrangeiro, Os Suspeitos, no ano passado, e este filme que está sendo comentado aqui, mostram que ele não está brincando em serviço e tem muito a dizer. Definitivamente, um cara a ser acompanhado.
E – porque não? – segue o trailer legendado pra entrar no clima: