Elogios a qualquer obra do Studio Ghibli são redundância. O nível de excelência e reconhecimento que empresa japonesa conquistou em trinta anos de existência já é lendário, trajetória honrada até no Oscar –cuja caretice e propensão a favoritismos são evidentes– com A Viagem de Chihiro, em 2003. Se os nomes de Hayao Miyazaki e Isao Takahata não lhe são familiares, a recomendação é procurar já pelas animações dirigidas por esses mestres do ofício. Falando em Takahata e em Oscar, a Academia escorregou feio em 2015, premiando uma animação cujos méritos são quase que exclusivamente visuais, Operação Big Hero, tendo o último trabalho do diretor, O Conto da Princesa Kaguya, entre os indicados.
Baseado em uma história folclórica, o longa mostra a vida de um casal mudando bastante, quando o marido, cortador de bambus, encontra uma minúscula menina dentro de um broto que surge milagrosamente. Levando-a para casa, a pequena é aceita pelo homem e sua esposa como um sinal de que divindades os escolheram para algum tipo de tarefa, envolvendo criar a estranha criança, que se transforma em um bebê comum, embora apresente um crescimento bastante acelerado. Relacionando-se normalmente com as outras crianças da região, a menina leva uma vida humilde e feliz, mas as coisas mudam bastante quando seu pai encontra uma boa quantidade de ouro da mesma forma milagrosa que a encontrou. Interpretando o novo achado como um sinal de que os céus querem que a menina se torne uma princesa, o ouro é investido na construção de um palácio na cidade, bem como em roupas e educação para que ela consiga bons pretendentes entre os ilustres locais. Com obediência resignada ao pai, ela abandona seus amigos e a vida despreocupada que levava na montanha, sofrendo para cumprir as obrigações impostas pela sua nova condição.
Já ficou claro que se trata de um conto de fadas, mas engana-se quem achar que O Conto da Princesa Kaguya segue a cartilha dos clichês ocidentais deste tipo de adaptação. Temos vários alívios cômicos ao longo desta narrativa, mas a melancolia que toma conta de uma personagem que não encontra seu lugar no mundo é bastante palpável, assim como é difícil antipatizar com o pai adotivo, apenas desastradamente tentando fazer o que considera o certo, criando um contraponto com a mãe, que mantém sua simplicidade no meio da opulência. Com esta dinâmica entre o trio principal, não existe a necessidade de o roteiro apresentar um vilão, sequer um antagonista na figura de outro personagem, impedindo a felicidade da protagonista, desenvolvendo-se apenas em cima destes acontecimentos e suas consequências. Essa construção traz uma atmosfera contemplativa ao filme, cadenciada lentamente e diametralmente oposta às animações de Hollywood, a começar pela sua duração de 137 minutos. Não é o caso de fazer julgamentos sobre os méritos dos orientais em comparação aos ocidentais ou vice-versa, apenas salientar as evidentes diferenças.
O visual é encantador, com uma arte peculiar a este tipo de produção, porém com pequenas imperfeições comuns no traço e na cor, como se fossem simplesmente desenhos a lápis em papel. Algumas cenas tem uma estilização maior dos personagens e do cenário, utilizadas como recurso dramático, que poderiam ser emolduradas e penduradas em qualquer parede, tamanha a beleza individual destes quadros. Além de tudo, este aspecto está completamente conectado com a temática do longa, contribuindo muito para construir um mundo coerente para o espectador, com sua lógica interna aceitando os elementos fantásticos. Esta animação é mais um triunfo da técnica 2D, cuja simplicidade acaba tornando seu aspecto atemporal, sem sacrificar nada da expressividade do trabalho.
Feito para um público que aceita e sabe o que significa abstração, O Conto da Princesa Kaguya é um tesouro para os olhos pela sua beleza indiscutível, para o intelecto pelas possibilidades de interpretação e reflexão sobre um mercado que produz e aclama este tipo de obra, mas principalmente para o lado emocional de qualquer ser humano, celebrando com louvor a arte de contar histórias e manter os mitos vivos.