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Ninguém Deseja A Noite – Um filme que ninguém deseja ver!

Ninguém Deseja a Noite

Ninguém Deseja a Noite

Há filmes que, mesmo sendo visualmente ricos e tendo atores talentosos e de renome, contam uma história quase sem atrativos. Para descobrir os motivos que levam inúmeras pessoas a embarcarem em produções assim tão insípidas, é preciso fazer um intenso exercício de imaginação. Ninguém Deseja a Noite (Nadie Quiere La Noche) é um desses filmes. Dirigido por Isabel Coixet, a responsável pelos bons A Minha Vida Sem Mim e Fatal, e estrelado por Juliette Binoche e Gabriel Byrne, o filme faz uma competente reconstrução de época e tem um bom elenco, mas a única reação do público durante boa parte da projeção será o bocejo enfadado.

A obra conta a história de Josephine Peary (Juliette Binoche). Acostumada a uma vida de luxo em Nova York, ainda assim ela acompanha o marido, um explorador, nas viagens que este realiza ao redor do mundo. Indo ao encontro do cônjuge enquanto ele tenta fincar uma bandeira no ambiente inóspito do Polo Norte, ela é obrigada a acampar durante quatro meses em pleno deserto de gelo do Canadá devido ao forte inverno da região. Acompanhada apenas de uma esquimó chamada Allaka (Rinko Kikuchi), as duas vão, aos poucos, superando as diferenças culturais e linguísticas e criando um poderoso laço emocional.

Se a descrição acima lhe soou interessante, contrastando com o comentário feito no primeiro parágrafo sobre Ninguém Deseja a Noite ser um desses filmes quase sem atrativos, saiba que não estou sendo contraditório. O fato é que qualquer possibilidade que a obra tinha de ser boa foi morta já em seu nascedouro, durante a escrita desastrosa do roteiro. O responsável pelo texto foi Miguel Barros, que, tendo apenas Os Implacáveis, de 2011, no currículo, comete alguns erros infantis que impedem o filme de atingir todo o potencial contido no argumento inicial.

Ninguém Deseja a Noite

Uma das falhas que mais saltam aos olhos é introduzir e desenvolver razoavelmente Bram Travor, o personagem interpretado por Gabriel Bryne, apenas para excluí-lo da narrativa ainda no final do primeiro ato. Com uma personalidade inquieta e mentalidade contestadora (ele interpela um médico que tinha esquecido de mencionar a morte de alguns esquimós numa expedição científica e, após encontrar um corpo morto, por não saber qual é a religião do falecido, ele se recusa a construir uma cruz para o enterro), Travor é o personagem mais interessante do filme. Construído com o brilhantismo costumeiro de Byrne, ele logo capta a atenção do espectador, mas, ao ser retirado abruptamente da história, somos obrigados a acompanhar as outras duas personagens que, frente ao interesse despertado pela presença de Travor, ficam tão empalidecidas quanto a neve que os rodeia.

Pois se há um problema definitivo em Ninguém Deseja a Noite, é dedicar todo o segundo e terceiro atos ao desenvolvimento de Josephine e Allaka e o relacionamento entre elas. Se as duas tivessem profundidade e as suas diferenças e semelhanças fossem trabalhadas com inteligência, a ausência de Travor não seria muito lamentada, porém, infelizmente, o que se tem é uma construção muito pobre das personagens. Enquanto Josephine pode ser facilmente definida como a mulher rica e mimada que, após sofrer com intempéries, descobre dentro de si um lado mais humano e altruísta, Allaka nada mais é do que uma mulher inocente incapaz de ser cínica ou sarcástica. Com um desenvolvimento de personagem tão formulaico como esse, não havia possibilidade de o relacionamento das duas ser melhor trabalhado. Por isso, não é à toa que a única solução encontrada por Barros foi buscar o humor oriundo da problemática interação entre as duas. Durante a maior parte do filme, tudo que o roteirista procura é gerar o riso através das diferenças dos idiomas.

Ninguém Deseja a Noite

Ao término da projeção, fica claro que a intenção do roteirista ao contar essa história era propor uma reflexão sobre preconceito e fazer um discurso mostrando como no fundo não há diferenças entre povos distintos. Numa época como a nossa, na qual o politicamente correto paira como uma nuvem negra sobre as relações humanas, parece que todos os artistas sentem a necessidade de fazer um comentário sobre assuntos espinhosos. Porém, independente dessa necessidade, a história sempre precisa ser construída com o máximo de cuidado e profundidade para que a força da mensagem, ou reflexão, chegue ao público. Infelizmente, não é isso o que acontece aqui.

A direção, por sua vez, faz pouco para melhorar o filme. Embora consiga extrair boas atuações da experiente Binoche e da jovem Kikuchi, algumas escolhas que Isabel Coixet faz ao lado da sua equipe são equivocadas. Em determinado momento do segundo ato, a diretora, juntamente com Elena Ruiz, a montadora, opta por acelerar a narrativa através de uma elipse que vai informando ao espectador a passagem do inverno. Essa opção faz com que o desenvolvimento pobre das personagens oferecido pelo roteiro seja indevidamente ressaltado, já que ilustra a dor que elas sentem durante quatro meses em apenas alguns minutos. Outro elemento que não funciona é a trilha sonora. Além de ser comum e muito melosa, ela é usada o tempo todo, cansando o público aos poucos.

Ninguém Deseja a Noite

Por outro lado, Jean-Claude Larrieu, o diretor de fotografia e antigo colaborador de Coixet, e Clara Bilbao, a figurinista, realizam um bom trabalho. O primeiro consegue ressaltar, através de iluminação natural e filtros, tanto a lugubridade quanto a beleza das paisagens. A segunda, embora faça uma escolha óbvia, retrata com eficiência a jornada interior de Josephine ao iniciar o filme vestindo a personagem com uma roupa vermelha que simboliza não só o amor que ela sente pelo marido, como também o luxo do qual goza em Nova York e, a partir da metade até o final, fazendo-a vestir roupas miseráveis que ilustram o seu desapego material.

Com um ritmo irregular que faz com que o espectador sinta as duas horas de filme, Ninguém Deseja a Noite é um filme que apesar de ter alguns méritos, estes não são grandes ou numerosos o suficiente para transformá-lo numa experiência recompensadora ou até mesmo agradável. Seja pelos erros do roteiro, seja pelas más escolhas da diretora e de alguns membros da sua equipe, o resultado está aquém do necessário para engajar o público. A reação ao sair da sala é de total indiferença àquilo que foi visto.

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