Existe uma piada recorrente entre os membros aqui do Formiga Elétrica – só uma pilha de contas a pagar explica a participação de algumas pessoas em certos filmes. Seja ganância, necessidade ou falta de ofertas, tem alguns filmes em que o amigo leitor com certeza já se perguntou “o que esse cara está fazendo numa porcaria dessas”? Bom, não precisamos dizer que este é o caso.
A presença de Tom Hanks em Negócio das Arábias (A Hologram for the King) só se explica por fatores completamente alheios ao próprio filme. E qualquer que tenha sido a intenção dos produtores de levantar um filme medíocre com a presença de um astro multi-premiado, essa intenção falhou miseravelmente – a mediocridade do filme foi respondida pelo público com absoluto oblívio, sendo este o filme menos rentável de Hanks desde É Difícil Dizer Adeus, de 1986. Curiosamente, outro filme de Hanks a se passar no Oriente Médio. Talvez ele devesse ficar longe de lá.
A trama conta a história de Alan Clay, um frustrado homem de negócios com uma família distante por sua negligência – segure firme amigo leitor, tem mais clichês – que viaja para a Arábia Saudita para vender um novo sistema de comunicações de altíssima tecnologia (o tal holograma do título em inglês) para o Rei de um país que sofre com um profundo abismo social. No processo – segure… – ele reencontrará o sentido do amor e da amizade em uma cultura distante através de uma experiência única.
E não, esse não é o caso de um filme sofisticado onde os contrastes culturais são usados para expressar de maneira sutil alguma mensagem mais profunda ou provocar qualquer tipo de reflexão. É clichê atrás de clichê – o americano malandrão vendo que sua esperteza não vale nada no lugar onde está, as idiossincrasias de uma cultura que não se conhece usadas como fator cômico, nativos cercados de cabras, o exotismo da mulher local que contrasta com a mesquinhez deixada para trás no Ocidente, etc, etc, etc. Tudo posicionado de maneira preguiçosa para fazer com que a coisa simplesmente ande – tais quais os pastores do filme tocando suas cabras para frente, sem muito objetivo, a não esperar que a cabra em questão – o filme – vá de um ponto A para o ponto B.
E o que é mais impressionante de tudo isso não é um cara do calibre de Tom Hanks estar preso em uma obra enfadonha como essa – é também o fato de o diretor do filme ser Tom Tykwer, responsável por obras impressionantes e desafiadoras como Corra, Lola, Corra e Perfume. Aparentemente, não era apenas Hanks que estava com a luz e o gás atrasados. A direção de Tykwer é negligente ao ponto de absolutamente nenhum aspecto narrativo do filme ser bem sucedido – a comédia não diverte, o drama não comove, o romance não envolve. Embora as paisagens locais sejam belamente filmadas e a fotografia realce o aspecto exótico do ambiente, nada compensa a sonolenta narrativa e a ineficiência de praticamente todo o elenco.
Elenco esse – que embora abranja um bom punhado de personagens – se sustenta basicamente no Alan Clay de Hanks, no seu interesse romântico, Zahra (Sarita Choudhury) e no guia local de Clay, Yousef (Alexander Black). Mas, para se ter uma ideia de como a narrativa é simplesmente jogada e pouco se resolve, os dois coadjuvantes de Clay em nenhum momento se encontram e tem pouca importância um para o outro. Na verdade, em determinado momento, Yousef simplesmente some da trama e ninguém sente, pois não faz a menor diferença.
Mas claro que o peso maior fica nas costas de Hanks. Absolutamente nada lembra o homem que tornou Forrest Gump e Náufrago obras inesquecíveis. Ele está tão perdido no filme como seu personagem está perdido no deserto. Assim como todo o resto do filme, ele simplesmente vai no automático – é impressionante, de uma maneira negativa, ver como até mesmo um grande intérprete como Hanks também possui vícios de atuação, e, quando necessário, simplesmente os põe em prática. A sensação é de que ele atua em Negócio das Arábias como um funcionário no trabalho olhando para o relógio e esperando o fim do expediente – simplesmente não vê a hora de acabar o serviço e ir para casa. Seus coadjuvantes ainda se saem um pouco melhor. O Yousef de Black é o responsável pelos poucos esboços de sorrisos que surgem durante o filme, embora o seu personagem seja ligeiramente inconsistente. Já a Zahra de Choudhury tem os seus momentos de coragem – principalmente próximo do final – mas sofre por aparecer em um momento da trama em que a história já havia se tornado cansativa e, infelizmente, não consegue salvar nada que valha a pena.
É realmente lamentável ver nomes como os do ator principal e do diretor envolvidos nessa bobagem maçante. É desnecessário dizer, pelo currículo de ambos, que eles são capazes de fazer bem mais. Mas é aquela história da nossa piada interna – atores e diretores também são profissionais e pagam contas.
Às vezes, acabam fazendo algo como Negócio das Arábias – um mau negócio.