Dirigido e roteirizado por Laura Bispuri, drama familiar emociona, mas não se esquiva de lapsos
Quando os créditos subiram ao som da bela música final de Minha Filha (Figlia mia), a plateia, formada em boa parte por membros da comunidade italiana paulistana e convidados da imprensa, se comprazia em aplausos emocionados. A produção encerrou o 13º Festival do Cinema Italiano de São Paulo, evento que, entre 27 de setembro e 3 de outubro, exibiu 18 filmes do país na capital paulista. Minha Filha era aguardado, já que foi muito bem recebido pela crítica durante o Festival de Berlim, ocorrido no início do ano.
Não é de se estranhar que, em meio a tal conjuntura,o filme acabou sendo recebido um pouco acima do que realmente é. Não que não seja um filme estupendo. O trabalho da roteirista e diretora Laura Bispuri é belíssimo. A fotografia em tons pastéis valoriza as paisagens da região da Sardenha e reforçam a atmosfera quente e desconfortável da trama. Porém, a produção escorrega em pontos importantes, mas que não comprometem a viagem intimista que o filme propõe.
Minha Filha é um filme de atores. Ou melhor, de atrizes. As três protagonistas carregam nas costas uma trama que apresenta uma problemática complexa, embora não muito original. Vittoria (a ótima Sara Casu, em seu primeiro trabalho no cinema), pouco antes de completar 10 anos de idade, se vê no meio de uma disputa pelo seu amor entre a tímida Tina (Valeria Golino), que ela sempre considerou sua mãe, e a alcoólatra e desbocada Valéria (Alba Rohrwache), sua mãe biológica. No passado, Valéria havia aceitado ceder a criação da filha para Tina em troca de ajuda e amizade permanente, mas uma série de acontecimentos a fez rever sua decisão.
Sem grandes reviravoltas, o roteiro segue um tom monocórdio, com especial enfoque na construção da relação entre Vittoria e Valeria. O talento e o carisma de Alba Rohrwacher é o ponto alto da produção, pois mostra com sensibilidade ímpar as contradições de uma mulher sem qualquer amor próprio e que tenta entender o que sente pela filha. Não muito atrás está Valeria Golino, que começa a ver sua vida desmoronar de um momento para outro com a possibilidade de perder Vittoria. Com expressividade corporal e olhares delicados, a atriz consegue transmitir muito mais sentimento que os diálogos do limitado roteiro lhe impõe. Aqui temos o primeiro defeito relevante da obra: o desperdício de uma personagem fantástica, tratada com certa superficialidade em praticamente dois terços da projeção. Um talento injustiçado, espera-se, pela limitações comerciais do tempo de exibição.
Três mulheres em crescimento
Não há coadjuvantes de relevância. Eles estão lá para servir de escada para que as protagonistas mostrem seu talento. O suporte mais interessante, e também explorado aquém do desejável, é de Michelle Carboni no papel de Umberto, o marido de Tina e pai de Vittoria. Um homem pacato e que não deseja problemas, mesmo que isso signifique ver a filha longe da esposa. Infelizmente, o papel de Umberto acaba se tornando mero acessório para as cenas de desabafo da mulher.
De forma voluntária ou não, o filme aborda questões como feminismo e problemas sociais de toda ordem. Isso traz um certo caráter político ao filme, algo comum em muitos clássicos do cinema italiano. O filme, aliás, tem um certo ar retrô. Isso, no entanto, não é imposto de forma artificial, mas encaixado de forma esmerada no contexto da produção. Graças ao talento das três atrizes, a pisque das três mulheres é quase uma personagem por si só.
(Por falar em feminismo, fizemos uma lista bacana de filmes feministas de verdade!)
Outro destaque de Minha Filha é a caprichada e inusitada trilha sonora, acompanhada da sonosplastia. A montadora de som Daniela Bassani (A Espera) inclui sonoridades que dão vida à trama e ditam a bipolaridade dos humores em cena. Preste a atenção nos efeitos causados quando começa a tocar “Questo Amore Non Si Tocca”, de Gianni Bella, uma canção que deve causar especial balanço no público da terra natal.
Minha Filha é uma boa experiência, sobretudo para quem busca um filme mais intimista, longe do espetáculo barulhento dos grandes lançamentos comerciais. Embora não seja memorável, traz características que o torna único. As três personagens crescem e amadurecem, cada uma a seu modo, situação lindamente resumida na simples, mas contundente cena final. A experiência vivida por Vitória, Valeria e Tina mostra o quanto o amor pode ser doloroso, mas também o quanto ele é essencial para nossas vidas.