Marvin mostra a superação dos traumas infantis
Marvin (Marvin ou La Belle Éducation), dirigido por Anne Fontaine e inspirado no livro Para Acabar com Eddy Bellegueule de Édouard Louis, conta a história de aceitação e descobertas de um jovem desde sua adolescência, em um vilarejo onde o diferente é visto como doença, até a fase adulta, onde transforma a dor em sua maior força.
De forma semelhante à narrativa apresentada em Moonlight:Sob A Luz do Luar, de Barry Jenkins, o público acompanha a trajetória de Marvin em momentos distintos de sua vida. O primeiro, durante a adolescência, quando é interpretado por Jules Porier, e na fase adulta, vivido por Finnegan Oldfield. Em ambas as fases, o filme sempre tem como guia o ponto de vista do protagonista, não dando espaço para outros entendimentos da história.
Este não é um filme sutil. Vemos Marvin lidando desde criança com o bullying e percebemos o descaso de seus pais com a situação. Há cenas explícitas em que ele sofre agressões físicas, psicológicas e sexuais. Isto o torna cada vez mais recluso, já que o ambiente familiar também é hostil. Marvin convive com uma mãe cansada que o ignora, um irmão agressivo e um pai que afirma que “bicha” é como se chamam as pessoas com problemas mentais.
Tudo muda quando a diretora da escola, Madeleine Clément (Catherine Mouchet), leva Marvin para a aula de teatro. Em uma aula de improvisação, o jovem expõe uma situação de seu cotidiano e sente-se aliviado pela primeira vez. Finnegan Oldfield entrega uma atuação minuciosa, levando para a tela toda a dor e o desejo de aceitação de Marvin. Demonstrando uma inocência ao se sentir aceito por um parceiro, ele opta pelo minimalismo, deixando claro as nuances do personagem. Tanto as cenas da infância como da fase mais madura se complementam em Marvin, pois há uma continuidade da linguagem corporal. É por este aspecto que notamos que, mesmo depois de adulto, ele continua preso às angústias do.passado.
Quando o mundo sufoca, só a arte pode salvar
A fotografia e a direção de arte contribuem com a personalidade de Marvin, sem cores quentes e prezando a sobriedade. A trama não é novidade, mas a diretora mostra seu diferencial na forma como retrata as mudanças temporais e na direção de atores, que conseguem transmitir sentimentos por meio do olhar e nos mínimos movimentos. A passagem de tempo é marcada pelo uso do som diegético e por projeções nas paredes, que surgem enquanto Marvin escreve sua peça teatral. A sequência não-linear faz parte da narrativa de forma orgânica.
Após o incentivo de Madeleine, Marvin consegue uma vaga no internato do Liceu de Artes e parte para uma nova etapa. Porém, mesmo consciente de quem é, ele ainda não consegue se abrir para as pessoas mais próximas. A chegada de Abel (Vincent Macaigne, de Más notícias para o Sr. Mars) se torna um momento decisivo para ele, dadas as semelhanças entre os dois,que logo se tornam amigos e confidentes.
Abel funciona como uma espécie âncora moral para Marvin, que busca constantemente sua opinião. Outro homem que se torna importante na vida do protagonista é Roland (Charles Berling), um homem com 50 e poucos que tem relacionamentos com garotos mais novos, que ele chama pelo apelido de “gatos”. É por meio dele que Marvin consegue realizar sua peça e conhece a atriz Isabelle Huppert (deo polêmico Elle).
O que torna Marvin singular é a quebra do parâmetro do pai “machão”, que não se importa.com os filhos.Mesmo sendo grosseiro e com opiniões apoiadas em velhos paradigmas, o pai do protagonista ama sua prole e parece querer mudar a ideia da geração anterior à sua, que acreditava na agressão como forma de educação. Ao longo do filme, ele aprende a ser mais aberto com Marvin, chegando a tecer comentários sobre legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Marvin é um filme sobre autodescoberta por meio da arte.