Em um primeiro momento, pode parecer que Livre (Wild) é somente uma versão feminina do ótimo Na Natureza Selvagem (Into The Wild), que Sean Penn dirigiu em 2007. Como é uma adaptação do livro autobiográfico de Cheryl Strayed (Livre – A Jornada De Uma Mulher Em Busca Do Recomeço – Editora Objetiva), com o roteiro assinado pelo escritor Nick Hornby, já tinha a seu favor um bom ponto de partida para estabelecer uma identidade e discurso próprios, apesar das inevitáveis comparações, que são até justas quando lembramos dos títulos originais deles. A boa notícia é que independente da similaridade entre as situações dos dois filmes, Livre consegue se diferenciar e dialogar com um público amplo. Algum ranheta vai lançar que é “filme de mulher”, mas já adianto que esse é um raciocínio rasteiro.
Basicamente, é possível resumir o filme da seguinte forma: Mulher parte em uma viagem solitária por uma trilha íngreme, para superar uma perda familiar e um divórcio ocasionado por um comportamento destrutivo. O recheio desta história é facilmente intuído por qualquer espectador, mas a magia da arte narrativa é justamente a capacidade de organizar esses acontecimentos de uma forma que valorize o conjunto. Depois de já encontrarmos Cheryl em plena travessia de mais de mil quilômetros pela PCT (Pacific Crest Trail), vamos conhecendo-a aos poucos e entendendo seus motivos, o que vai aumentando o envolvimento e a empatia com a personagem. Conduzido em um ritmo seguro, sem solavancos e sem surpresas, o sucesso da experiência de assistir ao filme depende muito do público importar-se com esta protagonista.
Reese Whiterspoon encontrou no papel de Cheryl Strayed uma responsabilidade considerável. Além da vontade óbvia de fugir do estereótipo de namoradinha dos EUA, encarou o projeto consciente de que é um filme que se apoia apenas na protagonista. O risco do exagero é grande nestas situações, mas ela entregou uma atuação contida e sincera, criando uma mulher comum bastante crível nas falhas, nos desejos, nos medos e nas reações. É bom observar que não foi necessária uma grande mudança física da atriz, algo que os órgãos premiadores adoram.
O diretor canadense Jean-Marc Vallée, de Clube De Compras Dallas (também inspirado em fatos), mostra que sua pegada pende mesmo para histórias humanas, envolvendo uma transformação interior do personagem principal. Aliás, a semelhança com Clube de Compras Dallas não fica só aí, já que o responsável pela fotografia é o mesmo. Também canadense, Yves Bélanger repetiu o estilo do outro filme, evitando cores muito fortes e assim criando um visual mais realista.
Ainda que falte algo para que seja considerado um grande filme, Livre é uma realização competente que cativa pela sua sutileza e verossimilhança. Deixando de considerar o quanto o roteiro, ou mesmo o livro, possam ter mudado os fatos, é bem fácil enxergar ali um relato sincero. Se ele é isso mesmo ou não, a discussão não faz sentido, pois como filme ele cumpriu seu objetivo, e muito bem.
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