Kingsman 2 é preguiçoso, excessivo e vazio
Matthew Vaughn nunca se interessou muito pelas sequências de seus filmes. Depois de impressionar com a adaptação violenta e vibrante de Kick-Ass: Quebrando Tudo, não escreveu nem dirigiu Kick-Ass 2 (embora tenha ficado na função de produtor), e, após X-Men: Primeira Classe, se desligou completamente de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido e X-Men: Apocalipse. Em Kingsman: Círculo Dourado (continuação do longa de 2014), ele quebrou essa lógica e se encarregou de toda a parte criativa. No entanto, dado o resultado obtido, era melhor que tivesse investido os seus esforços em outro filme.
(Confira também o Formiga na Cabine sobre o filme)
Escrito pelo próprio diretor ao lado de Jane Goldman – a sua colaboradora de longa data -, o roteiro se concentra nos esforços de Eggsy (Taron Egerton) e Merlin (Mark Strong) para destruírem uma nova ameaça global, a genocida Poppy (Julianne Moore). Como eles foram os únicos sobreviventes do ataque que aniquilou todos os homens do rei, eles pedem ajuda aos Statesman, uma facção norte-americana comandada por Champ (Jeff Bridges) e cujos principais agentes são Tequila (Channing Tatum) e Whiskey (Pedro Pascal). Além disso, terão de lidar com o retorno inesperado de Harry (Colin Firth), que voltou do mundo dos mortos, mas está sofrendo de amnésia.
Em Hollywood, a maiorias das sequências costumam compartilhar um mesmo problema: o excesso. Quando os responsáveis não têm pleno controle da produção, os executivos exigem que as características que deram certo anteriormente sejam extrapoladas. Na maior parte das vezes, isso rende filmes inferiores. Todavia, em mãos hábeis, essas exigências podem ser subvertidas e se tornar o principal mérito de uma obra. Kingsman 2, ao exceder os aspectos do primeiro filme, busca fazer justamente isso, porém ultrapassa constantemente a linha que separa o cartunesco do simplesmente ridículo.
Dessa maneira, se as piadas infantis do primeiro filme funcionavam por causa de sua puerilidade, agora se tornam óbvias, exageradas e repetitivas (perdi a conta das vezes em que Elton John é usado como uma gag); se o personagem interpretado por Samuel L. Jackson tinha uma motivação e surgia como um típico vilão de desenho animado, Julianne Moore é uma figura desinteressante e completamente despersonalizada em sua caracterização excessiva (naquilo que é uma tentativa mal sucedida de transformá-la no símbolo de um comentário político sobre a cultura instantânea dos Estados Unidos); e a intensidade dramática entre os personagens se transforma em ligações emocionais sabotadas pela insistência do filme em rir de si próprio a todo momento.
As cenas de ação e luta, por sua vez, ao contrário do que acontecia em Kingsman: Serviço Secreto, onde chamavam atenção pela inventividade e energia, se destacam negativamente, tanto pelo fato de perderem o frescor – o excesso de slow motion, canções populares e truques de montagem transmitem a sensação de que Vaughn dirigiu o longa no piloto automático – quanto pelo fato de se auto-referenciarem a todo momento, como se os responsáveis tivessem embevecidos com a própria criação (a famosa cena do bar é reencenada), além de isso ser, obviamente, um forte indicativo de preguiça imaginativa.
Olá, América!
Aliás, preguiçoso é um adjetivo que define Kingsman 2 perfeitamente. É importante lembrar que o primeiro filme tinha se destacado pela subversão dos clichés comuns aos filmes de espionagem, em um movimento que os aproximava do humor camp e redefinia-os de acordo com as necessidades de uma narrativa moldada pela estética dos videogames. Aqui, essa verve satírica também tenta se mostrar presente não só na já mencionada tentativa de subverter os excessos característicos das continuações hollywoodianas, como também na acidez dos comentários feitos sobre algumas das culturas presentes nos Estados Unidos.
No entanto, ao passo que os deliberados exageros narrativos se aniquilam em uma espécie de overdose estética e humorística, a sátira sobre o país do Tio Sam é surpreendentemente comedida, ainda mais se lembrarmos da piada realizada ainda no primeiro filme com a estratégia globalista de Barack Obama. Curiosamente, não há quase nenhuma brincadeira envolvendo a política norte-americana atual (a crítica direcionada ao combate às drogas surge alienada), as diferenças entre o estilo britânico dos personagens principais e o jeito caipira dos coadjuvantes são totalmente ignoradas pelo roteiro e a imagética estadunidense é pobremente aproveitada (nesse sentido, o único momento inspirado acontece no fim, quando há um gracejo com o beisebol e o basquete).
Portanto, o que era para ser o grande charme do longa acaba sendo completamente descartado pelo roteiro, o qual, ao fazer isso, não fornece tempo suficiente para Jeff Bridges compor o seu personagem, trabalha pouco a natureza conflitante que existe na interação entre homens culturalmente diferentes, joga o personagem de Channing Tatum em um limbo narrativo logo no começo da história (parece que o ator foi contratado apenas para dançar em uma cena específica), dá uma importância indevida ao entediante Whiskey e não justifica o retorno de Harry (evidentemente, ele voltou apenas para efeitos nostálgicos).
Deste modo, o que se tem em Kingsman: O Círculo Dourado são ideias e propostas interessantes prejudicadas pela execução preguiçosa (a falta de vitalidade da produção é alarmante), a esquizofrenia estética, o roteiro equivocado e inocuidade temática. Ironicamente, antes o público se perguntava por que Matthew Vaughn não fazia sequências, já que as suas empreitadas iniciais foram bem-sucedidas artística e financeiramente. No seu novo filme, o mistério foi solucionado: porque ele não tem a menor ideia de como fazê-las. De fato, a pergunta foi respondida, mas da pior maneira possível.