Novo filme de Taika Waititi, Jojo Rabbit apresenta uma visão única sobre um assunto de onde é difícil extrair humor
Quem assistiu O que fazemos na sombras sabe o que esperar de Taika Waititi. O diretor neozelandês é uma voz original e satírica em um mar de mais do mesmo, e seu novo filme não é diferente. Sua mente é de um auteur, a própria premissa do longa é difícil de explicar. É baseado no livro Caging Skies, de Christine Leunens, mas a assinatura de Waititi é clara como roteirista e diretor. Jojo Rabbit é uma comédia negra sobre Johannes (Roman Griffin Davis) uma criança de 10 anos que integra a Juventude Hitlerista durante a Segunda Guerra Mundial. Ela idealiza Adolf Hitler e sonha fazer parte de sua guarda pessoal. Durante um treino em um acampamento, o pequeno Jojo é ferido com uma granada e começa a passar muito tempo em casa, sendo forçado a reconsiderar os seus ideais nazistas quando descobre que sua mãe está escondendo uma menina judia na parede.
Jojo não sabe o que fazer e conversa com seu amigo imaginário, Adolf Hitler, interpretado pelo próprio Taika, diretor que se identifica como um “judeu da Polinésia”. Adolf funciona, ao mesmo tempo, como uma figura paterna e autoritária, além da fonte de certeza de suas convicções quando surge algum questionamento sobre seus sentimentos. Roman Griffin Davis está em quase todas as cenas do filme, o que não compromete de maneira alguma a qualidade de interpretação, o humor ou a inocência de uma criança que, embora exposta a lavagem cerebral do nazismo, ainda brinca e enxerga o mundo com olhos infantis.
Jojo aprendeu na escola que judeus tem chifres e poderes de controle mental. Logo, sua suspeita da judia Elsa (Thomasin McKenzie, de O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos) é justificada pela sua doutrinação, reforçada pelo seu ambiente e amizades, como o Capitão Klenzendorf (Sam Rockwell, de O Caso Richard Jewell), demovido a lidar com as crianças da juventude.
Maturidade e originalidade
Jojo Rabbit entrega diversos risos, mas sem sacrificar o coração da história por uma piada. O cuidado com a criação da personagem da mãe do protagonista, Rosie (Scarlett Johansson, de Ghost in The Shell), e atalhos visuais que fortalecem seu arco, têm um impacto que quase não pertencem ao filme, mas a sua presença o eleva à uma joia rara. Johansson brilha no papel, trazendo uma energia positiva e amor de mãe idealizado, que reforçam a mensagem do triunfo do amor sobre o ódio.
O que destaca Jojo Rabbit como uma obra-prima é a facilidade com que muda de tom entre cenas. Em questão de minutos, o espectador vai do riso à segurar o choro, ou até os dois ao mesmo tempo, permitindo uma experiência cinematográfica que poucos filmes conseguem reproduzir. A influência de Mel Brooks pode ser sentida no humor, mais no estilo da refilmagem de Ser ou não ser (1983) do que Os Produtores (1967), e o estilo visual lembra Wes Anderson. O filme abre com uma versão em alemão de I wanna hold your hand, dos Beatles, com imagens da Nacional Socialista gritando de admiração, fazendo um paralelo da “beatlemania” com os fanáticos pelo Führer, relembrando que fanatismo está sempre presente na sociedade.
Assim como Mel Brooks, Waititi sofre um pouco com “a linha invisível”, que pode ou não ser cruzada quando lidando com assuntos pesados, embora não se entregue ao delicioso mau-gosto onde Brooks residia. Adolf jantando um unicórnio? O genial Stephen Merchant como um oficial da Gestapo? As piadas vão desde trocadilhos de “a jew” parecer um barulho de espirro à crianças arianas clonadas.
Porque não é unânime que esse filme é perfeito
O roteiro tropeça sobre a ideia do “bom alemão”, os nazistas que eram “resistência” e “nem todos eram ruins”, embora consiga equilibrar os conceitos por estar constantemente ridicularizando o nazismo e seus representantes. O aproveitamento do filme será diretamente relacionado ao quanto pode lembrar que é só um filme, é uma obra artística sobre empatia, não um documentário sobre horrores do Holocausto. Jojo Rabbit é uma sátira, e com ela Waititi entra na seleta lista de Kubrick (Dr. Strangelove, 1964), Benigni (A Vida é Bela, 1997) e Chaplin (O Grande Ditador, 1940).
Jojo Rabbit não só comemora o amor e a empatia como dá espaço inclusive para personagens “vilões” o praticarem. Essa visão humanista do mundo evita uma visão maniqueísta da guerra, reforçado pela presença de Adolf Hitler na versão da imaginação de uma criança, tirando o poder de Hitler e do nazismo. O fetichismo autoritário de filmes da Segunda Guerra é trocado por humor nonsense que projeta o material e garante ao filme um diferencial único. Waititi está mais interessado na solução do ódio do que no ódio em si, uma mudança de paradigma que muitos que preferem se vitimizar não estão dispostos a aceitar. A medida que Jojo abre a mente e o coração para ter empatia por quem foi ensinado a odiar, o próprio roteiro permite a redenção de outros personagens, ainda respeitando toda a complexidade da guerra.
Audacioso e proporcionando uma mistura de emoções, Jojo Rabbit é uma obra completa que acredita no poder do riso frente a tragédia. A mensagem do filme é de tolerância e empatia, de diálogo e aceitação de diferenças, jogando luz até no ódio de quem sente ódio por quem odeia. Isso sim é arte.