A lógica das continuações é aplicada com sucesso em John Wick 3
Se as franquias são uma regra em termos de cinema comercial e a maximização de seu lucro, ao mesmo tempo, existe um risco inerente à própria fórmula. Isso por conta de uma espécie de obrigação implícita na realização de uma continuação de um filme de ação/aventura. Afinal, o público sempre espera que os desafios e as proezas sejam levados a outro nível no capítulo seguinte. Em John Wick 3: Parabellum (John Wick: Chapter 3 – Parabellum), o mínimo que se poderia dizer é que os realizadores tiveram sucesso na tarefa.
Em 2014, o filme de estreia chegou sem muito alarde, colocando Keanu Reeves na onda do anti-herói de ação já não tão jovem. Na época, já chamava atenção o cuidado com a preparação e execução de cenas de ação, fugindo da moda da câmera tremida e edição picotada. Mérito do diretor Chad Stahelski, que estreou trazendo uma extensa bagagem como dublê. A trama era simplíssima, mas isso fazia parte de uma ironia sutil, servindo apenas como desculpa para o personagem título iniciar sua matança, ao mesmo tempo em que revelava uma mitologia interessante do mundo dos assassinos profissionais.
Três anos depois, o segundo exemplar contou com o dobro de orçamento e fica claro na tela que o investimento deu certo. Terminando com o banimento do protagonista da fraternidade mundial, por conta da violação de uma regra sagrada, John Wick 3 começa exatamente a partir deste momento. Antes uma busca por vingança, agora a história é sobre sobreviver com a cabeça a prêmio. Assim, o roteiro leva o personagem principal mais longe, geograficamente falando, enquanto expande ainda mais o cenário por trás do Hotel Continental e todos os envolvidos neste mundo.
Impossível ser mais simples, mantendo o espírito do original, o que faz este terceiro capítulo especial é a escala da produção, que não se limita somente às chamativas locações fora dos EUA. É visível, além de bem sucedido, o esforço geral para elevar essa franquia de ação a um patamar raro em termos de longas em língua inglesa, hoje sofrendo com a comparação com outros países, como a Indonésia, por exemplo.
No quesito coreografia, tiroteio, crueldades e destruição geral, John Wick 3 recompensa plenamente o espectador que apreciou os dois primeiros. É certo que, muito por conta de seu ator principal, as lutas são um pouco mais lentas do que dos exemplares asiáticos, mas não menos verossímeis por isso. Chad Stahelski não tem pressa nos cortes e exibe embates físicos que mostram uma equipe bem treinada. São momentos que fazem o público entrar no clima, como se acompanhasse uma luta real, com consequências muito dolorosas.
Ambição maior que valeu a pena
Esqueça a frieza que vimos em Jason Bourne, quarto filme de uma franquia que deveria ter se encerrado como trilogia. Aqui, foi preciso imaginar o que seria mais complicado,logisticamente, no quesito de impressionar a plateia. Destaque para a participação de Halle Berry como Sofia, personagem que anda com dois cães de guarda. A sequência de ação com ela pode fazer uma ou outra pessoa se perguntar se ainda haverá alguma cena melhor a seguir. E há, já que o pique não cai ao longo dos 130 minutos de duração.
Aliás, quem curtiu o sul-coreano A Vilã, vai perceber que ele influenciou uma das mais bacanas cenas de perseguição de John Wick 3. Não chega a superar sua inspiração, mas é algo digno de nota e acima da média, assim como todo o filme. A junção entre pancadaria e tiroteio ganha reforços consideráveis em todas as cenas de ação, que tem seus intervalos na hora certa para o público respirar e encontrar referências muito legais ao mundo do cinema e além.
Mas o filme não se apoia em easter eggs inúteis. Apenas coloca piscadelas e acenos de cabeça pertinentes ao contexto para aqueles mais ligados na Sétima Arte e até em História. Buster Keaton, Tarkovski, um papel icônico de Keanu Reeves, entre outros detalhes muito sutis, se misturam nas referências que provocam sorrisos em cinéfilos de carteirinha e rendem boas conversas pós-sessão. Os mais cabeçudos vão se divertir ainda mais com a apresentação de um personagem com alto cargo na ordem dos assassinos, que remete diretamente a uma figura histórica do islamismo.
Tudo isso ainda ganha uma embalagem muito agradável com a fotografia de Dan Laustsen (A Forma da Água), que ocupou a mesma função no filme anterior. O cuidado com a beleza dos planos é evidente por todo o longa, acertando na iluminação e na paleta de cores, separando cada ambiente por onde a trama se desloca, mas sem comprometer a unidade visual do longa. Algo muito agradável de se ver, mesmo nos trechos mais calmos.
Trazendo novamente a sempre bem vinda participação de Ian McShane, cuja presença já valoriza qualquer produção, o filme também apresenta outros nomes de peso. A veterana Anjelica Huston agrega valor ao conjunto, mesmo com pouco tempo de tela. Sobre o antagonista-mor desta trama, o papel coube ao formidável Mark Dacascos, cuja composição oscila bem entre o ameaçador e o cartunesco, bem no clima geral do universo de John Wick. Toda a sequência que culmina no confronto final entre eles é uma belíssima homenagem a O Jogo da Morte, com Bruce Lee.
Como nada é perfeito…
Apesar de toda essa rasgação de seda, é preciso observar os defeitos de John Wick 3. Novamente, temos o roteirista Derek Kosltad, único responsável pelo texto dos anteriores. Agora ele teve a companhia de mais três roteiristas, o que nunca é um bom sinal. Entre eles, um dos produtores da vindoura série de TV spin off de John Wick, The Continental. Muito provavelmente, é isso que faz o texto preocupar-se demais com o “universo expandido” da franquia.
Não que o longa perca o compasso por isso, mas acaba conferindo um ar episódico à trama geral, fazendo este terceiro filme lembrar uma minissérie com capítulos bem definidos. Um deslize que é até perdoável pela sua proposta, mas não deixa de ser perceptível. Mas, se essa mesma proposta pretende um grau maior de suspensão de descrença pelo público, ela não o torna imune a falhas comuns dos filmes de ação. Uma delas é comprometer a sensação de perigo que o protagonista corre, pois John Wick passa por muita coisa e acabamos nos acostumando a isso.
Além disso, em seu encerramento, John Wick 3: Parabellum desperdiça a chance de elevar ainda mais a qualidade geral da franquia. Se o miolo mostrou que ainda é possível se destacar no mar de mediocridade que assola a indústria, os momentos finais têm o potencial de desagradar uma parte do público que pensa mais a longo prazo. A sessão não deixa de ser um passeio interessantíssimo e divertido por causa disso, mas a falta de ousadia em um momento crucial pode soar lamentável para algumas pessoas.
Mesmo assim, não deixa de ser um alento ver o carinho e empenho com que Chad Stahelski, Keanu Reeves e toda a equipe levaram isso em frente. Já é muito mais do que estamos acostumados a receber.