Exibido no Festival de Sundance, Honeyland emociona e é uma das atrações da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Talvez a grande magia do cinema não tenha nada a ver com efeitos especiais e criação de mundos encantados, mas com a capacidade da Sétima Arte de nos fazer conhecer, que seja superficialmente, outras culturas e países. Como uma viagem até a Macedônia não deve ser um plano muito comum para grande parte das pessoas (vai saber, né?), o cinema pode ser o passaporte mais interessante para descobrir algumas faces desse país tão distante. Um dos longas selecionados para a 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Honeyland é um documentário que parece saído da cabeça de um roteirista criativo. E talvez por isso mesmo consiga emocionar o público na medida certa.
Dirigido pela dupla Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska, o longa acompanha a trajetória de Hatidze, apicultora que mantem a tradição de nunca retirar todo o mel de uma colmeia para garantir o equilíbrio natural das coisas. Além do trabalho de recolher e vender a iguaria, ela ainda precisa cuidar da mãe idosa e doente. Desde o primeiro plano de Honeyland, percebemos que estamos diante de uma geografia belíssima, mas que adorna vidas nem um pouco fáceis. A precariedade da casa de Hatidze, sem água encanada ou qualquer vestígio de conforto, chama a atenção e parece direcionar o filme para uma espécie de denúncia das condições de sua protagonista. Mas eis que surge o mel. Literal e metaforicamente.
(Confira a crítica de outro documentário, Torre das Donzelas !)
A protagonista não parece nem um pouco incomodada com a falta de recursos que a rodeia e segue sua rotina de maneira religiosa, buscando quase com devoção a produção das abelhas que ela preserva em troncos de árvores e em vãos de pedreiras. Pequenas vaidades, como pintar o cabelo e escolher um lenço para adornar o cabelo parecem bastar para que Hatidze seja feliz, apesar do isolamento e do pouco diálogo com a mãe. Seus dias pouco mutáveis parecem ganhar outro vigor quando uma família numerosa estaciona seu trailer no vilarejo e começar alguns animais. Os antes silenciosos dias da apicultora ganham o movimento de crianças brincando (e correndo riscos!), bois e vacas inquietos e um rádio. Aliás, este é um detalhe mágico dentro da trama que vale deixar para que você, espectador, experimente-o sem spoilers.
Não se deve mexer com a(s) natureza(s)
Tudo estaria se encaminhando para a construção de uma amizade sólida entre Hatidze e a família, mas o mel, mais uma vez ele, surge, só que dessa vez para causar discórdia. O sucesso de vendas dos produtos faz com que a família se interesse pela apicultura, ainda mais com a motivação de um homem sobre o lucro que o produto pode trazer. Em nome de algumas notas a mais no bolso, a família investe pesado na criação de abelhas e, diferente de Hatidze, não faz questão de deixar nem uma gota para suas provedoras de matéria-prima.E aí que o mel “se revolta”.
O desequilíbrio do ecossistema tira Hatidze do sério, que bate de frente com o pai da família, cobrando um cuidado maior para garantir que não falte mel para ninguém. A tal “cidade do mel” do título só faz jus ao seu nome porque houve sempre um respeito para com as abelhas, algo que se rompe quando a apicultura, digamos, de devoção, de Hatidze, dá lugar ao mero interesse econômico no produto final. É esse conflito que coloca em jogo a união entre ela e a família, ainda mais depois que o filho mais velho demonstra interesse em seguir a tradição de respeito às colmeias. Não apenas as abelhas perdem o rumo por conta da ganância como também a própria Hatidze, vendo ruir algo que ela construiu a vida inteira.
Com um fotografia que realça a aridez do cenário, e que vai ganhando tons mais opacos com a chegada do inverno dentro do filme, Honeyland pode até pegar o espectador menos informado de surpresa e se deixar apreender como uma ficção e não um documentário. Por mais perceptível que sejam as estruturas de algumas cenas, como a que Hatidze vai ao mercado da cidade para fazer compras, ainda assim fica claro a verdade das sequências, apresentando uma realidade tão distante da nossa que pode até soar fantástica.
Com um ritmo próprio, que em alguns momentos se mostra arrastado, e uma duração um tanto exagerada, o filme peca apenas por insistir em mostrar todas as etapas da jornada de Hatidze com detalhes, alongando cenas que já dizem a que vieram já nos primeiros minutos. Mas a empatia que a protagonista causa no espectador, aliada a magia do trabalho de colaboração com as abelhas, conquista o olhar e faz com que Honeyland passe rápido. Apesar dos belos planos e a doçura da história permanecerem em nossa memória por horas depois do fim da sessão.