Thelma contém propostas que se atenuam
Após chamar a atenção da crítica especializada internacional com o bonito Oslo, 31 de Agosto e filmar em inglês o bom Mais Forte Que Bombas, Joachim Trier (um parente distante de Lars Von Trier, o diretor de Ninfomaníaca 1 e 2) retornou ao seu país natal para realizar o quarto longa-metragem: Thelma (Idem). Nesta nova empreitada, os retratos agudos sobre a depressão deram lugar ao registro de uma outra doença, a epilepsia, e a estética realista foi substituída por uma abordagem mais onírica e sobrenatural, embora a história e o estilo sisudo do cineasta nunca deixem a narrativa abraçar completamente a estética fantástica.
Escrito pelo próprio diretor ao lado de Eskil Vogt (colaborador contumaz de Trier e o cineasta responsável por Blind), o filme conta a história de Thelma (Eili Harboe). Recém-ingressa na universidade, ela é uma garota introvertida, estudiosa e solitária. A religiosidade extrema de sua família fez com se fechasse às influências externas e não compartilhasse dos mesmos vícios dos outros jovens. Isso começa a mudar quando se apaixona por Anja (Kaya Wilkins), a sua melhor amiga. No entanto, o que era para ser uma história de amor logo se transforma em um pesadelo, uma vez que ela descobre ter fortes poderes mentais.
Primeira incursão do diretor no gênero suspense, Thelma revela constantemente a pouca intimidade de Trier com o tipo de filme que desejava realizar. Conhecido por seus dramas intimistas e melancólicos, o cineasta norueguês escolheu navegar nas águas turbulentas dos contos fantásticos e o resultado não poderia ser mais irregular. Nem mesmo o núcleo familiar formado pela protagonista e os seus pais – os conflitos domésticos constituíam as melhores partes de Mais Forte Que Bombas – é capaz de proporcionar momentos fortes ou relevar o interior dos personagens.
Na primeira metade, destaca-se negativamente a falta de originalidade no elo que é estabelecido entre os super-poderes da personagem principal e a descoberta de sua sexualidade. Usar elementos fantasiosos como símbolos de coisas ou fases reais da vida já se tornou um recurso extremamente recorrente. Para que isso se sobressaia, é necessário que o seu emprego seja feito de uma maneira diferente ou complexa. Infelizmente, esse não é o caso de Thelma. Logo que Anja surge e se torna visível que a manifestação dos poderes da protagonista se dão nos momentos de tensão sexual, o espectador rapidamente percebe que há uma conexão entre as duas coisas.
Entretanto, talvez ciente dessa previsibilidade, Trier busca inverter a lógica na segunda metade e mostrar que há acontecimentos no passado que ainda não foram revelados. O problema é que as alterações na história e no tom (a atmosfera da narrativa deixa de ser misteriosa e sensual e passa a flertar com o horror) provocam uma atenuação considerável nas críticas e nos aspectos que foram trabalhados na primeira hora de filme. Tanto a homossexualidade de Thelma quanto a rigidez comportamental dos pais perdem o impacto que era pretendido pelo texto (culpa também compartilhada por algumas falas risíveis, como aquela em Thelma deixa explícito não tomar álcool porque foi criada em uma família cristã) e passam a ser aspectos de uma biografia possivelmente condenada desde o nascimento.
As armadilhas do suspense
A estética, por sua vez, acaba refletindo essa indefinição na narrativa, apesar de esses dois aspectos não estarem ligados diretamente. É impressionante como Trier, depois de construir imagens ou planos visualmente notáveis (como o que abre o filme ou a panorâmica que, após um zoom-in, encontra a protagonista no meio de uma multidão) se sabota através dos cortes precoces da montagem, os quais não só impedem a contemplação estética como também entregam uma imagem corriqueira ou até mesmo banal em seguida. Além disso, a predominância de shaky cam e a forma como as cenas de suspense se desdobram sem um sentimento de antecipação ou o estabelecimento de uma atmosfera tensa é uma constante fonte de decepção.
Como não poderia deixar de ser, todos esses defeitos configuram um filme problemático, em que as tentativas de realizar, ao mesmo tempo, uma obra de suspense e um drama doméstico se mostram inteiramente fracassadas, a ponto de o longa se aproximar muito mais da história de origem de uma super-heroína (ou de uma nova encarnação de Jesus Cristo, já que os simbolismos religiosos aparecem rotineiramente) que do relato intimista de um despertar sexual ou psicológico. Dessa maneira, quando chegamos ao fim do trajeto, embora saibamos como tudo se desenrolou, nos vemos quase impossibilitados de vislumbrar as intenções primordiais de Thelma.