Apesar de visualmente bonito, Deserto peca na pretensão
Sempre que um ator talentoso vai para trás das câmeras, ficamos interessados em saber como é a sua visão de mundo e sua compreensão da linguagem audiovisual. Após Selton Mello (O Filme da Minha Vida) provar que é um diretor muito talentoso, o ótimo Guilherme Weber decidiu fazer a sua estreia como cineasta e roteirista com Deserto. Por mais que o argumento seja interessante, ele se perde na sua visão infantil.
Livremente baseado em Santa Maria do Circo, de David Toscana, o longa se passa no sertão nordestino, onde acompanhamos uma pequena trupe de artistas, liderados por Dom Aleixo (Lima Duarte), que vivem como nômades, apresentando-se de vilarejo em vilarejo. Um dia, eles chegam a um novo local, mas completamente deserto. Cansados dessa vida e do pouco dinheiro que ganham, eles decidem viver no vilarejo. Para isso, decidem criar alegorias de indivíduos que consideram necessários para uma sociedade. Os papéis “importantes” escolhidos são: médico, padre, cozinheiro, caçador, militar, negro e prostituta. Durante a convivência, essa “sociedade” vai se destruindo pouco a pouco por conta dos preconceitos existentes.
Primeiro ponto observável no longa é que se trata de algo visualmente muito bonito. A fotografia do português Rui Poças evita usar cores quentes para ressaltar o calor, deixando-as dessaturadas e secas para criar uma atmosfera melancólica e evidenciar o clima seco. Além disso, existem jogos muito interessantes de luz e sombras, aumentando a dramaticidade da cena. É um trabalho deslumbrante, junto com um design de produção muito criativo. Sempre parece que os figurinos dos personagens se contrapõem com as casas que estão com as paredes destruídas, sujas e mal pintadas, porém, conforme a narrativa avança, as roupas e personagens vão se sujando, tornando-os parte da cidade.
É uma estética visual muito bem pensada por Guilherme Weber, mostrando-se um diretor promissor. Destaque para a direção de atores (o que é óbvio, vindo de um ator que também é diretor de teatro). Aliás, é preciso falar que todos no elenco estão muito bem. Weber também tem bom gosto visual e cria imagens elegantes, usando enquadramentos bonitos e bem pensados, com movimentos leves de câmera. Entre os deslizes, peca por ser teatral demais em alguns momentos, principalmente nos monólogos, e pela necessidade de chocar em determinados trechos. Tais sequências, além de gratuitas, não tem nenhuma utilidade narrativa. No entanto, é claro que o profissional pode melhorar com o tempo.
Arquétipo ≠ Caricatura
Se na teoria a sinopse se apresenta muito interessante e com potencial para um bom estudo sociológico, na prática ela se mostra muito rasa. O roteiro de Weber e de Ana Paula Maia parece pretender uma história com um forte olhar crítico sobre os preconceitos da sociedade, mas só os retrata de maneira óbvia. O próprio personagem que fica com o papel do “negro” – o qual que eles dizem ser necessário para que faça o trabalho para a sociedade – só retrata a escravidão e o preconceito racial (sendo que é um branco idoso) da maneira mais superficial possível, apenas tratando-o com xingamentos como forma de denúncia.
Não apenas esse personagem, mas todos seguem essa mesma linha de obviedade: o militar vai se tornando abusivo com o tempo; o padre se torna o mais respeitado, mas não faz nada a respeito quanto à violência que ocorre, o homem que fica com o papel da prostituta vai se tornando o excluído da sociedade… Essa discussão se alonga pelo filme inteiro, sem que haja algum conteúdo mais maduro.
Além disso, o texto falha nos vários monólogos que os personagens fazem sobre a importância de ser artista e da sensibilidade inerente. Nesse quesito, falha por ser repetitivo. Na quinta vez que alguém começa a discursar sobre esse tema, o espectador já está de saco cheio da mesma ladainha. Além disso, a história não sabe para onde está indo, tampouco como caminhar para o seu final. É um roteiro que se acha mais profundo e cheio de questionamentos do que realmente é. No fim, se perde completamente na sua pretensão.
Com Deserto, Guilherme Weber mostra que até pode ser considerado um diretor promissor, mas precisa elaborar melhor o discurso e ser mais direto com os temas que pretende desenvolver. O atenuante está no fato de tratar-se de uma estreia na função, mas alguns conseguem sobressair-se mesmo na inexperiência, vide José Luiz Villamarim, com seu Redemoinho.