É incômodo ver o cinemão hollywoodiano se debatendo, apelando para uma fórmula tão batida quanto a da grandiloquência épica. Juntando um pano de fundo religioso então, é aí que o desespero se mostra mais evidente. Saindo da sessão de Êxodo: Deuses e Reis, não pude deixar de lembrar de Cleópatra (1963), com Elizabeth Taylor, que já era uma tentativa de atrair um público desanimado através da mesma estratégia. Foi um fracasso que quase acabou com a Fox, ironicamente, o mesmo estúdio por trás do filme que é a razão de ser deste texto. Não digo isso como previsão pessimista quanto ao sucesso financeiro dele, até porque as condições de hoje são bem diferentes, mas apenas comparo as duas produções como um esforço de atraírem mais gente através, unicamente, da hipérbole visual.
Dirigido por um Ridley Scott cada vez mais afastado do realizador de Os Duelistas, Alien e Blade Runner, o filme é mais uma versão da história de Moisés, libertando o povo hebreu do domínio do Egito. Irmão adotivo de Ramsés (Joel Edgerton), filho e próximo sucessor do Faraó Seti (John Turturro), que tem consciência das deficiências como líder de seu herdeiro legítimo, Moisés é expulso da corte egípcia e exilado, passando a viver entre sua verdadeira gente quando sua origem hebreia é revelada. Sim, é uma espécie de refilmagem de Os Dez Mandamentos, então vamos às particularidades.
Êxodo começa bem, com uma sequencia de batalha eficiente e bem editada. A classificação PG-13 obriga a produção a pegar leve no sangue, o que compromete um pouco a verossimilhança de um confronto daquela magnitude, mas ainda assim a sequencia consegue manter um interesse pelo que virá a seguir. Moisés também se apresenta como personagem diferente do que esperaríamos de uma figura bíblica, e sua caracterização é interessante pelo seu pragmatismo e racionalidade. A partir disso, o filme avança insinuando que vai deixar as questões de fé religiosa em uma área nebulosa , o que é uma ótima ideia, mas ficou apenas na intenção, pois ele mesmo acaba negando esse conceito mais à frente. Pior ainda, tenta retoma-lo lá pelo terceiro ato! Já era…
Ainda bem que – pelo menos – existe uma medida de questionamento deste Moisés em relação aos males que vão atingindo o Egito, o que é verbalizado claramente em mais de uma ocasião. O problema é que esses detalhes legais não seguram o conjunto frágil do roteiro, que foi claramente prejudicado pelo excesso de roteiristas (quatro) mexendo no mesmo texto. Christian Bale, com sua competência habitual, favorece bastante o filme com seu protagonista relutante. O ator realmente some dentro do personagem, diferente de Joel Edgerton, com seu Ramsés afetado, o que é até perdoável levando em conta o papel e as fontes que qualquer intérprete teria para se inspirar. Além desta dupla, John Turturro, Sigourney Weaver, Ben Kingsley e Aaron Paul não fazem nada, a não ser emprestar o peso dos nomes ao elenco.
Se por um lado o conceito escorrega, por outro o visual do filme é realmente espetacular. A construção digital do mundo do Velho Testamento é um show à parte cada vez que é mostrada, com toda a opulência das construções dos monumentos egípcios. Fica mais bonito ainda com 3D, que traz uma profundidade realmente rara em produções que usam o recurso. É uma pena que quase nunca isso seja usado como linguagem narrativa, ficando apenas como um acessório cosmético, como é o caso aqui.
Pois é. Ridley Scott dificilmente será chamado de diretor ruim algum dia, pois isso ele está longe de ser, pelo tempo de estrada, pelo óbvio conhecimento técnico e pelos grandes filmes que já fez. O problema é que o cara tem cacife para escolher qualquer projeto, mas prefere bater na mesma tecla ultrapassada do épico megalômano, com os olhos exclusivamente voltados para o sucesso comercial. Uma pena, já que deve ter tanto roteiro legal circulando por Hollywood, e certamente Êxodo: Deuses e Reis – independente da bilheteria – não será um divisor de águas na carreira do cineasta, com o perdão do trocadilho…
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