O tema de Era o Hotel Cambridge não disfarça seus problemas
O primeiro plano mostra vários imóveis abandonados no centro de São Paulo. Vemos prédios históricos em péssimo estado, com várias pichações e pessoas muito pobres como inquilinos. Era o Hotel Cambridge, longa de Elliane Caffé (Narradores de Javé) é objetivo desde o início, mas a diretora decide deixar clara a sua ideologia política e esquece de como tratar esta narrativa como uma obra audiovisual.
(Falando em Cinema Nacional, leia também as críticas de Redemoinho e O Vendedor de Sonhos)
O longa se passa em complexo abandonado no centro de São Paulo, onde a maioria dos moradores que o ocupam são migrantes sem dinheiro, ou refugiados que estão tentando uma nova vida no Brasil. O local está caindo aos pedaços e há uma ordem de despejo vinda do Estado, obrigando-os a deixar as suas moradias. Como aquelas pessoas não têm para onde correr, elas farão o possível para não perderem seus lares.
A arte do cinema sempre pode enfocar questões sociais e Era o Hotel Cambridge tem isso a seu favor. O jeito em que o filme mostra o choque que ocorre entre os moradores é muito interessante, que vai desde o preconceito vindo dos próprios brasileiros aos refugiados até o problema da fome. Em uma das cenas mais bacanas, um africano questiona o brasileiro comer arroz e feijão todo o dia, falando sobre o que ele comia em seu antigo lar.
Outras sequências que chamam a atenção são as que os refugiados falam com os seus familiares via Skype, em que sonhos se chocam com terrível realidade. Muitos vieram para conseguir moradias para as suas famílias, mas a situação de ambos os lados se mostra muito complicada, pois o que vem não tem onde morar e o que fica em outro país vive uma realidade brutal e violenta. A escolha em misturar atores profissionais, como a ótima Suely Franco e o excelente José Dumont, com não-atores deixa a experiência mais realista e cria uma grande intimidade com o público, já que todos os personagens sofrem com a realidade ali mostrada e todos lutam pela mesma coisa. Lembra algo dos filmes da época do Cinema Novo.
O Que Desenvolver? Tema ou Narrativa?
Como já dito, o filme é importante e atual, mas a direção de Eliane Caffé é problemática. Há sinceridade na história, mas uma análise técnica revela problemas narrativos. O maior está na câmera. Em vários momentos, há um grupo de estudantes filmando os acontecimentos como um se fosse um documentário, mas diretora não deixa claro sob qual lente estamos vendo: se é a sua própria ou a dos estudantes, o que acaba deixando essas sequências confusas.
Outro problema está nas cenas das conversas via Skype, onde a câmera mostrando o refugiado que está no Brasil, claramente, não é a do computador, mas a que a diretora colocou no seu lado. Para deixar as conversas mais dinâmicas, Caffé corta entre o plano escolhido e a imagem da tela do computador. Funciona em vários momentos, mas a diretora comete um erro quando mostra o familiar do refugiado recebendo uma imagem que não é a do computador. Isso tira o espectador da experiência, sacrificando a verossimilhança.
O principal defeito do longa está no seu último ato. Ocorre um desenvolvimento dramático até o dia do despejo, com os moradores se organizando para lutar pelas suas casas. Entre eles, a síndica do prédio, que lidera com competência e com ideias sobre o que pode ser feito. O que vinha sendo construído se perde, pois não parece que vemos as pessoas realmente lutando pelo seu lar, mas um grande discurso da cineasta sobre o tema. E o discurso se torna mais importante no filme que os personagens em si, ofuscando todo o trabalho feito até então e os dramas desenvolvidos. É justo a diretora ter um ponto de vista político e social sobre o tema abordado, mas berrar um discurso no clímax do filme deixou o conjunto incompleto.
Enfim, o saldo final de Era O Hotel Cambridge é positivo. É bem realizado e tem um tema muito relevante, mas, quando Eliane Caffé decide transformá-lo em um longa de protesto e militante, acaba se perdendo. Isso deixa o seu longa anterior, o excelente Narradores de Javé, com mais cara de cinema, pois os próprios personagens deixam claro o ponto de vista político e social da diretora.