Spike Jonze, Michel Gondry e Charlie Kaufman. Interessante ver o cinema deste trio que parece ter afinidade nas ideias e não perde a oportunidade de brincar com a imaginação do povo com premissas criativas e fantasiosas.
Assim fez Spike Jonze em Quero ser John Malkovich, onde pessoas descobrem uma porta de acesso à mente de John Malkovich e, através dela, comandam as ações do ator por um breve momento, e Michel Gondry em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, onde um casal participa de um procedimento que apaga as memórias ruins. Isso para lembrar seus mais famosos filmes e, ambos, escritos por Charlie Kaufman.
A parceria de Kaufman com estes dois diretores não parece fluir ultimamente, o roteirista anda um pouco sumido do mercado. Mesmo assim, Jonze e Gondry continuam marcando seus territórios com filmes de qualidade ao longo dos anos e, na maior parte, com histórias de contexto surreal, como estas citadas anteriormente. Porém, não estamos aqui para falar de Kaufman ou Gondry.
Ela (Her) é o mais novo trabalho de Spike Jonze e estreou neste final de semana nos cinemas. O diretor mantém seu lado imaginativo de sempre e, mesmo sem Kaufman, prova mais uma vez que, além de diretor, é um roteirista de respeito.
O personagem de Joaquim Phoenix (Theodore), recentemente separado de sua esposa, compra um sistema operacional virtual, chamado de Samantha (voz de Scarlett Johansson), que promete ser revolucionário. Organiza sua vida como ele nunca imaginaria que pudesse fazer e conversa como se fosse um ser humano, simulando até sentimentos e vida própria. Em pouco tempo, torna-se um amigo e depois…
Por mais que seja ignorada a informação de tempo (não necessário), a história é passada provavelmente em um futuro não muito distante. Essencialmente explora o eterno dilema homem/máquina através de um romance não convencional. As relações físicas, cada vez menos importantes, e o virtual com força máxima. Discussão manjada hoje em dia e, assim por cima, parece que pouco difere de outros filmes futuristas que já vimos, mas a proposta não fica somente nisso.
O diretor talvez tenha realizado seu trabalho mais sério em Ela. Mesmo assim não quer dizer que o filme seja um drama. A melancolia de início passa com o tempo e mostra um lado cômico leve, sem exagero. Há tristeza, mas há humor no meio.
O sentimento de Theodore por um sistema virtual, aplicado de forma natural no filme, também é assustador, se pensarmos no futuro, e pode engajar conversas por horas e horas em grupos de discussão pós-filme ou até em uma mesa de bar, quem sabe. Além disso, Jonze também faz o contraponto das possibilidades e consequências do avanço tecnológico com a condição humana. Tudo isso também não é novidade no cinema, mas nem sempre se faz de forma relevante como Jonze faz. Nas cenas iniciais, por exemplo, quando vemos que o trabalho de Theodore é escrever (através de comando de voz) cartas pessoais à mão com recados para casais em dias especiais ou familiares distantes, o diretor já faz o vinculo entre o passado recente e o futuro tecnológico.
Ela me fez recordar instantaneamente o filme A Garota Ideal (Lars and the Real Girl), com Ryan Gosling, e também a série britânica Black Mirror. A primeira pelo romance incomum e a segunda pelo futuro temeroso que a tecnologia pode oferecer (foco da série em todos os 6 episódios). E como não lembrar de HAL 9000 em 2001-Uma Odisséia no Espaço (Kubrick)? Enfim…
Segue o trailer legendado:
Este pode não ser o melhor trabalho do diretor, mas entre suas “viagens” anteriores, é sua investida mais pé-no-chão (acredite) e emocional, pelo menos em relação aos filmes que tive oportunidade de ver. Isto pode ser bom para algumas pessoas e ruim para outras, porém estou quase certo de que você irá apreciar…