Diante dos Meus Olhos tenta romper com o cinema biográfico musical, mas sem uma proposta clara
Em 1969, em Vitória, no Espírito Santo, ocorreu um festival de música chamado Guarapastock. O evento foi o estopim para a dissolução da banda Os Mamíferos, formada em parte pelos músicos Marco Antônio Grijó, Afonso Abreu e Mario Ruy. Mais de quarenta anos depois, o documentário Diante dos Meus Olhos segue os três protagonistas pelos bares, restaurantes e ruas da capital capixaba, que se torna um quarto personagem.
Se você nunca ouviu falar de Os Mamíferos não se preocupe, eles nunca tiveram um álbum gravado. Sua existência ficou na memória de alguns saudosos e nostálgicos pesquisadores que encontraram importância histórica para a banda. O filme abre em um ônibus vazio, onde em todas as telas de TV exibem imagens de um show. É um paralelo interessante para o tema. Uma banda cujo público existiu somente em uma região, por um breve momento, e depois desapareceu com o tempo. Se um grupo toca na praia e não há ninguém para escutar, ela fez algum som?
Com roteiro e direção de André Félix, os músicos sobreviventes da formação original contam como tiveram representatividade na sua juventude. Um vive no bar, o outro gosta de assistir programas de animais na TV a cabo. A televisão é outro personagem por algum motivo. Uma TV roubada de um restaurante é um arco do filme. Três minutos são gastos para contar a história da TV roubada e mostrar a nova sendo instalada. É essa indulgência exagerada nas cenas cotidianas que transforma o filme em uma experiência martirizante, uma sequência de imagens longas e “quase” estáticas que não têm função narrativa.
Um teste de paciência
Tão entediante quanto seus protagonistas, são os longos planos contemplativos que examinam um objeto sendo descarregado de um navio, ou compras sendo guardadas na cozinha. Talvez para a geração Big Brother exista algum interesse em ver essas coisas, mas até no reality show existe um “gamefication” em torno de ações cotidianas para dar algum tipo de função a elas. Sob a pele, parece existir algo interessante para ser falado sobre o tema. É mencionado o festival de Guarapari, possivelmente o primeiro festival de seu tipo no Brasil. No documentário, é mencionado de passagem que Tony Tornado se atirou do palco durante o festival, mas é preciso recorrer ao Google para entender que ele acabou atingindo uma fã, pagando a indenização durante um programa de TV aberta.
O ponto alto do longa é um quando um dos músicos registra uma de suas composições, de quarenta anos antes, pela primeira vez. Quando o assunto é interessante, há elogios a serem feitos para Diante dos meus olhos. O tratamento de cor é muito interessante, com tons púrpuras e granulado na imagem que transporta o filme para o passado, mas ainda o ancora no presente. A fotografia é linda, com acabamento primoroso. Mas o assunto que é fotografado geralmente é desinteressante, repetitivo e parece não ter a ver com o tema escolhido, se tornando um teste de paciência.Não há legendas ou texto para revelar quem está falando ou que região estamos contemplando (presume-se que o filme se passa em Vitória pelo contexto e sinopse.) Para discutir o filme é necessário se referir ao “cara do bar” e o “cara do barco”. Não há estrutura para desenrolar a anatomia da falha da banda ou material visual de apoio que ajude a passar ao espectador informações sobre o passado ou uma pessoa, como se faz num documentário.
Entrevistadores anônimos aparecem e desaparecem de cena sem aviso ou o filme corta para uma cena experimental que ecoa o estilo das vinhetas da MTV. Ironicamente, o recurso experimental é bem-feito e teria sido uma abordagem mais interessante para acompanhar a trilha das músicas da banda captadas em registros amadores, mas, infelizmente, é só uma breve intermissão.Os personagens estão entediados, “pensando em voltar a tocar”, mas o filme espera que tenhamos um apreço pela história oral que está sendo passada de maneira errática e disléxica. Quer convencer que seus protagonistas fizeram algo importante no passado, mas não te dá durante a duração do documentário alguma informação que justifique a existência da obra ou do assunto escolhido, salvo um apreço pelas músicas tocadas de gravações caseiras.
Visto como um documentário de nicho, um vídeo institucional para quem já conhece o assunto e leu os livros dos pesquisadores sobre a banda, provavelmente é o melhor documentário sobre “Os Mamíferos” já feito.