A psicopatia sempre foi um tema instigante. Entender como funciona a mente de serial killers é algo tão peculiar que dá origem às histórias mais diversas e interessantes em qualquer tipo de mídia, seja quadrinhos, cinema, literatura, etc. Porém, será que Creepy (Kurîpî: Itsuwari no Rinjin) consegue aproveitar todo o insumo proporcionado por essa temática?
O cinema japonês de terror é um dos mais importantes para o gênero. Por meio de inúmeros filmes, principalmente os kaidan (histórias de fantasmas), que estão presentes desde a literatura, o tom onírico e poético aliado a imagens belíssimas fazem dessa escola uma das principais para um estudo mais aprofundado. Não apenas nos filmes que se utilizam do sobrenatural, mas também aqueles em que o foco é o mal no próprio ser humano de carne e osso.
Dirigido por Kiyoshi Kurosawa (de Para o Outro Lado e não, ele não tem nenhum parentesco com Akira Kurosawa), Creepy conta a história de Takakura (Hidetoshi Nishijima), um ex-detetive que é chamado por seu antigo colega Nogami (Masahiro Higashide) para investigar um estranho caso que não foi concluído, relativo a uma família desaparecida há seis anos. Para isso, Takakura vai à procura da única sobrevivente, Saki (Haruna Kawaguchi), e tenta fazer com que a jovem se lembre do ocorrido. Em paralelo, o ex-detetive e sua esposa Yasuko (Yūko Takeuchi) acabaram de se mudar e estão tentando socializar com os vizinhos. Um deles, Nishino (Teruyuki Kagawa), demonstra atitudes estranhas, despertando a suspeita de Takakura que, por sua vez, passa a investigar sobre o vizinho após a adolescente Mio (Ryoko Fujino), filha de Nishino, confessar que não o conhece.
O grande trunfo do longa está em toda a construção do clima de tensão. Com uma fotografia que utiliza-se de uma luz bem difusa e pouco dramática durante a maior parte da projeção, todos os momentos de escuridão ganham intensidade e importância muito grandes. Há momentos com uma incrível construção de cena em que o escuro apaga a luz incidental em determinados personagens quando estão acuados. Em outros momentos, temos aqueles que vão para a escuridão, pois é onde se sentem mais à vontade, do mesmo modo que um predador pronto para o bote.
O desenho de som também é muito bem trabalhado, usando com inteligência os sons diegéticos (aqueles que são oriundos de coisas em cena), o silêncio e a trilha sonora, de forma a criar o ambiente propício para o que cada situação pede.
Outro ponto que deve ser ressaltado é a ótima atuação de Teruyuki Kagawa, que faz o papel de Nishino. O ator consegue realizar expressões faciais e corpóreas que dispensam qualquer outro elemento, como música ou algum close para denotar sua psicopatia. Mesmo que a dificuldade de avaliação no quesito atuação que a língua japonesa traga para nós, brasileiros, Kagawa consegue passar todo o necessário pelo visual. Diferente dos outros atores que são visivelmente menos articulados.
Todos os elementos para um ótimo filme de psicopata estão presentes. Infelizmente, Creepy não consegue transformar em cinética tudo que seu potencial promete. O roteiro segue duas tramas básicas. Com um ritmo lento, no bom sentido, ele consegue instigar o espectador e aumentar o nível de tensão ao longo da projeção. Entretanto, é em seu terço final, quando o texto junta as duas tramas que surge o problema. As soluções e justificativas são fracas e pouco convincentes. Muitas delas são coincidências tão inverossímeis que quebram todo o clima que vinha sendo bem construído até então.
Outro ponto que frustra é que o filme, que vinha tendo sua personalidade distinta, acaba utilizando clichês dos mais pobres, dando a impressão que o roteiro – pelo menos na segunda metade – ainda estava na primeira versão e merecia um bom retoque.
No geral, a direção de Kiyoshi Kurosawa é muito bem pensada e eficaz, mas existem alguns momentos em que a utilização da grua, movimentos de câmera e determinados enquadramentos acabam não sendo narrativamente justificados, algo que soa gratuito e/ou exagerado na linguagem quando pensamos na obra como um todo. Ao final, a sensação que fica é que a obra poderia ser muito mais do que realmente é. Toda a primeira parte consegue fazer uma ótima construção que ascende a tensão aos poucos e que sugeria resoluções que fugiriam do óbvio. Infelizmente, não foi o caso.
Creepy possui qualidades técnicas inquestionáveis. O desenho de som, minimalista e intenso, aliado à fotografia competente formam a principal ferramenta construtora da tensão do filme. É realmente uma pena que toda essa energia potencial não se concretizou em cinética. O roteiro em seu terceiro ato acaba por passar um ar genérico em algo que estava apresentando uma linguagem própria. De qualquer forma, assim que terminar de ler esse texto, confira se a porta está bem trancada. Você nunca sabe quem seu vizinho realmente é. E, é claro, é bom que ele também tranque sua casa. Afinal, ele também não sabe quem você é.
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