Com um ritmo narrativo bem desenvolvido, Creed II supera o anterior
A reciclagem de velhas franquias é um recurso preguiçoso da indústria, apostando mais na nostalgia de um público mais velho do que na qualidade em si. No entanto, é uma realidade do cinemão atual e é preciso reconhecer quando algum filme tem méritos reais, mesmo que seu ponto de partida não seja muito animador. Creed II (idem), felizmente, recompensa o espectador que ainda se dispõe a acompanhar o desdobramento da franquia Rocky*. Depois de um primeiro filme com motivações fracas e pouco convincente na emulação da jornada comum aos boxeadores do cinema, a continuação chega a surpreender com boas sacadas de roteiro.
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Enfim, depois que Rocky chegou ao sexto filme, encerrando-se com um final digno e emocionante em 2006, ninguém achava que uma retomada seria possível. Menos de dez anos depois, Stallone topou reviver o personagem como mentor do filho de Apollo Creed, fazendo uma espécie de passagem de bastão para que o jovem Adonis (Michael B. Jordan) fizesse seu próprio caminho como protagonista a partir dali. Passado o “filme de origem”, agora encontramos o rapaz já conquistando o título de campeão dos pesados, mas o cinturão não é o bastante. É preciso provar para si mesmo e para o mundo que é digno do sobrenome.
Essa tarefa se apresenta na volta de um personagem icônico de Rocky IV. Ivan Drago (Dolph Lundgren), o lutador russo que matou Apollo no ringue e perdeu para Rocky depois, passou anos no ostracismo por sua derrota e incutiu sua selvageria em seu filho, Viktor (Florian Munteanu, boxeador na vida real). Submetendo o rapaz a um treinamento cruel, a superioridade física de Viktor em relação a Adonis é evidente. O passado que os liga é um fator que não passa despercebido por um promotor oportunista, que enxerga o potencial mercadológico que a luta entre os dois tem.
De um lado, Drago buscando vingança e a redenção de seu nome através da vitória de seu filho, que precisa humilhar o jovem campeão. Do outro, Adonis, que ainda precisa se provar como detentor do título e lidar com o impacto emocional provocado pelo seu desafiante. No meio deste conflito, Rocky reluta em acompanhar o pupilo para uma disputa tão perigosa, o que cria um atrito entre eles. Além disso, o protagonista ainda tem que lidar com a resistência da esposa Bianca (Tessa Thompson, de Westworld e Thor: Ragnarok), em um momento delicado da vida do casal.
Roteiro eficiente na simplicidade
Fora o próprio Stallone como co-roteirista, os outros três nomes não possuem créditos expressivos. Sim, são quatro pessoas mexendo no mesmo texto, o que nunca é um bom sinal, mas aqui encontramos uma exceção. Exatamente por apostar em um arco dramático simples para Adonis, que convence em sua busca pelo auto respeito e o peso de honrar o legado de seu sobrenome, o roteiro também guarda detalhes sutis que acabam por surpreender, amarrando as pontas de conflitos que outros filmes de grandes franquias costumam ignorar.
Claro que encontramos incidentes muito parecidos com situações-chave da vida de Rocky Balboa, o que não é necessariamente um incômodo, já que tudo se resume a uma questão de levar o público a torcer pelo seu protagonista. O primeiro filme era prejudicado por uma estrutura emocional um tanto frágil, dramaturgicamente falando, mas sua continuação não é afetada por isso, já que esquecemos a trajetória anterior e embarcamos a partir da conquista do título.
Infelizmente, o arco dramático de Rocky ainda não convence, repetindo a preguiça da produção anterior e insistindo em algo que já estava resolvido em seu último filme como personagem principal. Outro pecado deste roteiro é não explorar uma imprudência cometida por Adonis, diminuindo a responsabilidade deste na cadeia de eventos, o que poderia ser resolvido em uma cena ou na inclusão de um diálogo. Sobre os “vilões” da vez, embora existam absurdos intrínsecos às suas motivações, a boa notícia é que eles não são apenas maldade e desejo de vingança, o que acaba por valorizar um pouco mais o conjunto.
Direção que se segura
Substituindo Ryan Coogler (de Pantera Negra), o pouco conhecido Steven Caple Jr. comandou a continuação e não decepcionou. Com uma duração de 130 minutos, Creed II é bem ajustado em seu ritmo e na distribuição dos acontecimentos, evitando entediar o espectador. O cineasta também se sai bem na condução de seus atores. O carisma de Sylvester Stallone sempre ajuda, mas Michael B. Jordan já provou-se um bom ator e se entrega com dignidade ao papel, assim como a ótima Tessa Thompson, cada vez mostrando-se mais versátil. Os três mostram na tela exatamente o que é necessário para o funcionamento da cena e o andamento da trama.
Chegando finalmente a um detalhe crucial, as lutas são bem filmadas e a coreografia convence. Nada de sequência picotada para enganar a plateia, o que deixa clara a preparação física dos envolvidos e a preocupação com a verossimilhança e a impressão de dor imposta por cada golpe. Evidente que seres humanos normais não aguentam tamanho castigo, mas esse é um tipo de concessão que já precisamos fazer antes de começar a assistir.
Chegando ao final, Creed II se mostra uma produção eficiente. Poderia ser apenas mais um produto banal, mas entregou um filme que, se não inova em nada, denota esforço da equipe e preocupação com aspectos básicos do cinema, algo cada vez mais raro na indústria. Sobre as concessões citadas no parágrafo anterior, quem consegue engolir Michael B. Jordan na categoria de peso-pesado já está a meio caminho andado de curtir a sessão.