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Vice – Sem medo de provocar!

Adam McKay ironiza a história recente dos EUA em Vice

Adam McKay não é um diretor de meias-palavras. Se em A Grande Aposta (2015), o diretor ganhou notoriedade ao misturar drama e comédia para criticar, acidamente, a sanha capitalista norte-americana em plena crise de 2008, em Vice, ele mexe mais fundo na ferida (e no vespeiro) para atacar explicitamente o conservadorismo irracional que toma conta dos Estados Unidos e de diversas partes do mundo. O símbolo da vez é Dick Chenney, o antipático vice-presidente dos governos George W. Bush (2001 – 2009) e considerado um dos mais influentes políticos a ocupar o cargo.

Crítica Filme Vice

Vice se propõe como uma cinebiografia de Chenney, desde o fim da juventude até os tempos atuais. Mas, como mostra o alerta nos créditos iniciais, os acontecimentos reais em que se baseia só podem ser assim considerados de forma muito relativa, já que se trata de uma figura tão furtiva e enigmática  O que vemos na tela, na verdade, é uma visão muito peculiar do político do Partido Republicano, um olhar muito caro aos produtores e a direção do filme e direcionado ao público que compartilha dele. Do ponto de vista político, na conjuntura dos tempos atuais, Vice será amado por uns e odiado por outros.

Em Vice, Adam McKay não tenta ousar muito além da formula que deu certo em seu trabalho anterior. Na verdade, o público poderá ter uma sensação de déjà-vu, além de enxergar trabalhos que claramente serviram de referência para o diretor, como o seriado House Of Cards. McKay deixa evidente a sua assinatura, consagrando um estilo próprio de fazer comédias sutis sobre temas sérios e muitas vezes enfadonhos. Mas não pense que se trata de um diretor sem criatividade. Ele consegue brincar de forma muito original com seus personagens e com o público, utilizando de Shakespeare à musicais da Broadway e falsos desfechos das tramas durante a história (fique atento!). Novamente, mistura linguagem jornalística e cenas de arquivo com outras completamente surreais, além de quebrar a quarta-parede para puxar o espectador para dentro da história.

Elenco poderoso 

Dick Chenney (Christian Bale de A Promessa) não é poupado em Vice. Desde as primeiras cenas, o poderoso articulador dos bastidores da política norte-americana, é retratado como um homem pouco afeito a questões éticas e morais, vindo de uma juventude regada a álcool, indisciplina e quase nenhum apego aos estudos. Entra para a política quase que por acidente e inicia uma meteórica carreira sob a influência do igualmente questionável Donald Rumsfeld (Steve Carrell, de Café Society), homem forte do governo Bush. Apesar do poder crescente e autoritário, Chenney é retratado como um homem fortemente influenciado pela esposa Lynne Chenney (Amy Adams, de Animais Noturnos).

Crítica Filme Vice

Com personagens tão fortes, McKay precisava de atores à altura para retratar nomes ainda vivos e presentes no imaginário popular. O elenco é o principal destaque de Vice. Em mais uma metamorfose, Bale consagra seu caráter camaleônico, se tornando quase irreconhecível sob a maquiagem de Chenney nas diferentes fases da vida. O ator sabe usar os traquejos físicos do político, como postura corporal, voz grave e pouca expressividade facial, compensada por contundentes olhares que intimidam adversários e convida a plateia aos risos.

Amy Adams também está soberba, como a ambiciosa esposa que não poupa esforços para ajudar a carreira do marido, até impactar profundamente as relações familiares após revelações da filha que podem por tudo a perder no jogo de cartas marcadas que é a política. A atriz consegue empregar a sua personagem uma aura até mais assustadora que a de Chenney nos momentos mais críticos. Bale e Adams estão indicados ao Oscar por suas atuações.

Quem também concorre a uma estatueta é Sam Rockwell (de Poltergeist, o Fenômeno), mas sem o mesmo brilho dos colegas.O ator interpreta George W. Bush, mas chama a atenção muito mais pela caracterização física do que pela encarnação da personalidade do fatídico presidente do 11 de setembro. Justiça seja feita, de todos os personagens de Vice, Bush é o mais vivo no imaginário do público. Por essa razão, é quase impossível fugir do tom farsesco e cômico da personificação. Sabendo disso, McKay e Rockwell não exigem muito do personagem, retratado o tempo todo como um tolo atrapalhado e completamente manipulado pelo seu vice.

Com dificuldades para fugir da cara de bobo, Steve Carrell parece ter sido escolhido como uma homenagem às avessas para Donald Rumsfeld, o chefe das operações militares que marcaram o governo Bush. O temido militar é mostrado como um sujeito sem moral e desqualificado que consegue ascensão justamente pela falta de limites éticos e pelo conhecimento das engrenagens de poder. Impossível assistir Carrell em cena sem rir do homem que liderou as guerras do Iraque e do Afeganistão e mudou os rumos do século 21. O filme, no entanto, coloca Rumsfeld muitos níveis abaixo de Chenney na, digamos, escala da maldade.

Crítica Filme Vice

Hollywood militante

Em tempos de Donald Trump e em que governos alinhados a direita chegam ao poder em muitos países, Vice soa como uma obra provocativa e feita para criar inimigos. Fatalmente, eleitores republicanos nos EUA não irão gostar nada do que verão nas telas. Em oposição, os desafetos do atual governo se sentirão representados. O que poderia ser um trunfo, é justamente o ponto fraco do filme, que se preocupa muito em marcar posição política e acaba abrindo mão de artifícios de roteiro que poderiam deixar a história mais dinâmica. O resultado final é um filme interessante, porém muitas vezes arrastado, lento e difícil de acompanhar, o que compromete boas oportunidades de humor.

Além das já citadas indicações para o elenco, Vice também está indicado  nas categorias de melhor filme, direção e roteiro original. Em uma premiação que colocou Pantera Negra como o primeiro filme de super-herói a concorrer ao principal troféu da noite, é mais uma amostra de que a Academia quer se posicionar politicamente. Não se trata de uma novidade, mas assume um significado muito importante nos tempos que estamos vivendo.

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