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A Comunidade – Utopia doméstica!

A Comunidade

Nos últimos anos, é difícil falar em Thomas Vinterberg e não citar A Caça, filme que mostrava Mads Mikkelsen como um professor sofrendo ao ser acusado de pedofilia. Depois deste tenso, contundente e irretocável drama, o cineasta dinamarquês realizou o pouco comentado Longe Deste Insensato Mundo, falado em inglês, o que traz um pouco mais de expectativa para A Comunidade (Kollektivet), já que é o retorno ao seu território. A premissa já indicava conotações políticas, mas o roteiro do próprio Vinterberg com Tobias Lindholm – repetindo a parceria de A Caça – não se contenta apenas com isso e vai fundo no estudo do ser humano.

Na Dinamarca entre a década de 1960 e 70, Erik (Ulrich Thomsen), professor universitário de meia-idade, herda a enorme residência de seu pai, animado pelo valor que pode conseguir vendendo-a. Já sua esposa Anna (Trine Dyrholm), famosa âncora de um telejornal, tem outra ideia. A apresentação do casal indica uma vida feliz, com a dócil filha adolescente Freja (Martha Sofie Wallstrøm Hansen), mas Anna carrega uma sutil insatisfação e o desejo por algo novo, que ela espera conseguir transformando a residência em uma comunidade. Ainda que relutante, Erik atende a esposa resignado e o primeiro a ser convidado, por sugestão dela, é um velho amigo dos dois, o esquerdista Ole (Lars Ranthe).

A Comunidade

Logo, mais integrantes chegam, montando um palco onde o espectador não tem como evitar imaginar o que vai dar errado por ali e quais serão os motivos das inevitáveis brigas, mesmo com um conjunto de regras estabelecido. Juntam-se ao grupo uma mulher solteira com uma vida sexualmente agitada, um imigrante que não se segura em nenhum emprego e um casal cujo filho pequeno tem uma condição de saúde delicada, todos passando por uma entrevista inicial. Um fator de complicação neste coletivo é o envolvimento inesperado de Erik com uma aluna, obviamente, muito mais jovem.

Conforme dito anteriormente, o público espera a confusão gerada por esse modelo de convivência, mas o texto faz toda questão de evitar absolutamente quaisquer clichês, quebrando várias expectativas que poderíamos criar durante o primeiro ato. A Comunidade, até pela época em que se passa, com menções à Guerra do Vietnã na TV, dava impressão de algum tipo de alegoria sobre algum regime específico de esquerda, ou ao próprio marxismo como ideia. Os mais versados em História podem imaginar alguma relação com a Comuna de Paris, mas, se essas leituras são válidas de alguma forma, elas não tiram a importância do sentimento do indivíduo em relação ao grupo, personificado aqui por Erik, Anna e, mais tarde, Freja.

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Com tudo isso exposto, parece um drama pesado e lento, mas o diretor opta pela leveza, o que não minimiza o drama quando este precisa se apresentar, mas sem apontar soluções fáceis para o sutil antagonismo da situação. A fotografia de Jesper Tøffner, com vários trabalhos na TV dinamarquesa, acerta com um visual que vai de um luminoso otimista a uma a sobriedade natural, principalmente nos momentos com o desconfiado Erik. É um ambiente claro, ao estilo do cinema escandinavo, realmente, mas também está plenamente a serviço do tipo de história contada, já que a ideia é revelar os personagens, sem insinuar ou esconder algum lado deles através de sombras marcadas. As canções que embalam momentos pontuais contribuem com o ritmo, tornando essa experiência mais natural e agradável.

Claro que a densidade desses personagens estaria prejudicada sem intérpretes à altura. Ulrich Thomsen, da série norte-americana Banshee, faz um belo trabalho com seu Erik. Dos momentos em que engole em seco aos rompantes de estresse, é fácil entender suas frustrações e contradições graças a uma atuação segura e sem exageros. Quem se destaca, no entanto, é a Anna de Trine Dyrholm, de O Amante da Rainha, cujo conflito tem muito mais a ver consigo mesma do que com as pessoas em volta, dando um material e tanto para a atriz brilhar. O restante do elenco cumpre sua parte a contento, sem nunca comprometer a harmonia do conjunto nos 110 minutos da duração.

A Comunidade

Sem apelar para a subjetividade, A Comunidade fecha seu terceiro ato sem uma resposta fácil sobre alguma suposta mensagem objetiva que Thomas Vinterberg teria buscado. Com uma história simples na estrutura, o filme é rico na discussão que provoca e seus coadjuvantes, apesar de parecerem pouco desenvolvidos, tem uma função representativa dentro da época na qual o filme se desenrola, ou mais do que isso, no caso de – pelo menos – um deles. Se você já viu A Caça, não espere um impacto emocional tão forte, mas a profundidade que esperamos deste tipo de cinema está presente, deixando algo para o espectador pensar após seu término.

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