Comeback é indigno do talento de Nelson Xavier
Nelson Xavier, falecido recentemente, foi um dos maiores atores da história da teledramaturgia, do teatro e cinema brasileiros (apesar de também ter sido diretor, sua fama foi conquistada em grande maioria por causa do trabalho como ator). Poucos artistas tiveram a oportunidade de construir uma carreira extensa e repleta de performances marcantes tanto quanto ele. Com isso em mente, não deixa de ser lamentável que a sua despedida do Cinema e da vida tenha acontecido com este problemático Comeback: Um Matador Nunca Se Aposenta.
Dirigido e roteirizado por Erico Rassi (na sua estreia como diretor e roteirista), o longa conta a história de Amador (Nelson Xavier). Pistoleiro aposentando, ele lamenta o fato de não gozar do sucesso de outrora e ter de trabalhar como um revendedor de máquinas de fliperama. Depois de ser abordado por uma dupla de cineastas que está interessada em suas histórias para a realização de um filme, ele decide voltar à ativa. Porém, para que isso aconteça, será preciso deixar para trás uma trilha de mortes e sangue.
Mais do que um filme sobre pistoleiros, matadores de aluguel e o mundo da criminalidade, Comeback: Um Matador Nunca Se Aposenta é um longa que tenta abordar a questão da velhice e da nostalgia inevitável que a acompanha. Esse é um tema empático e uma situação que, com a exceção daqueles que morrem jovens, todos nós teremos de enfrentar eventualmente. Sendo assim, Rassi tinha nas mãos a fórmula perfeita: um ator lendário e uma história universal sobre as dores de se chegar ao fim da vida. Não tinha como dar errado.
No entanto, ele conseguiu estragar tudo. No seu roteiro, há um problema fundamental no próprio conceito da história. Assim como o recente Despedida Em Grande Estilo, Comeback: Um Matador Nunca Se Aposenta também é sobre um idoso praticando atos criminosos. Porém, no filme de Zach Braff, o roubo ao banco tenta ser justificado de uma maneira moralmente correta (mesmo que essa justificava seja extremamente torpe). No caso do longa de Rassi, Amador mata as pessoas, não sente o menor remorso por isso (aliás, se auto glorifica revendo as manchetes de jornais que noticiavam as suas chacinas) e tenta a todo custo voltar à ativa para continuar matando.
Se o filme realizasse um estudo de personagem, essas características deploráveis do protagonista incomodariam, mas não seriam suficientes para nos alienar da história. Inclusive, seria interessante entender como funciona a mente de um assassino a partir da sua própria perspectiva. Porém, não parece ser esse o desejo de Rassi. Na verdade, aparentemente, ele quer criar uma narrativa emotiva em cima dos dilemas da velhice. Mas é impossível se comover com a história de um sujeito como Amador. O nosso desejo é que ele morra logo e não acabe precocemente com a vida de nenhuma outra pessoa. Assim, todas as tentativas do diretor de fazer com que sintamos pena do personagem são auto sabotadas.
Se, ao menos, em algum momento da história, o pistoleiro sentisse remorso ou arrependimento do que fez, estaríamos prontos para nos compadecer dos seus dramas internos. Mas, infelizmente, isso não acontece. Na crítica de Cães Selvagens, disse como Paul Schrader criava momentos de vulnerabilidade para que os personagens detestáveis do seu filme pudessem gerar algum tipo de conexão emocional com o espectador. Em Comeback: Um Matador Nunca Se Aposenta, Rossi não faz nada disso. Ele compõe um personagem sem nenhuma característica positiva e pede para que torçamos por ele. Como não poderia deixar de ser, o resultado é total indiferença, quando não a raiva de estar acompanhando algo tão amoral.
Um erro que anula todo o resto
Alguns aspectos do filme até se sobressaem, com um destaque especial para a belíssima cena inicial (em um movimento de câmera complexo, o protagonista é lentamente revelado ao espectador) e forma como o fotógrafo André Cavalheira integra os personagens à desoladora paisagem (inclusive, visualmente, as locações são muito bem exploradas por ele), mas, com um erro conceitual tão grotesco na construção do roteiro, esses méritos acabam sendo desperdiçados. No fim, o que se tem é uma produção com sérios problemas de comportamento ético.
No que diz respeito a Nelson Xavier, Comeback: Um Matador Nunca Se Aposenta é a pior despedida que alguém poderia conceber para a própria carreira. Um ator com a sua história e importância merecia um filme muito mais digno dos seus talentos. Dizer adeus com um longa tão ignorante dos seus problemas morais é a nota triste de uma carreira repleta de momentos de destaque. Que lembremos do ator por seus trabalhos pretéritos e não por seu último projeto. Algo contrário a isso seria um desfavor que faríamos a ele.