Sabe aquele sujeito tão desagradavelmente puxa saco? Que não tem o menor escrúpulo em cercar e adular alguém, desde que vislumbre algum benefício direto e imediato? Qualquer ser humano, minimamente vivido, já teve seu caminho cruzado por algum indivíduo desta estirpe, o que chama atenção em Capital Humano (Il Capitale Umano), pois não muito depois da abertura conhecemos Dino Ossola , um pequeno corretor imobiliário sonhando (muito) grande.
Dino faz de tudo para se enturmar e participar do fundo de investimentos de Giovanni Bernaschi, pai do namorado de sua filha Serena, inclusive endividar-se além do razoável, sonhando com um lucro de 40% ao ano. A esposa de Giovanni, Carla, tem suas próprias angústias ignoradas pelo marido, procurando sentido em uma vida de riqueza vazia. Uma esperança surge, quando ela decide assumir a reforma e a reativação de um velho teatro da cidade. Dino, Carla e Serena, cada um com um segmento próprio, que divide os três atos do filme indo e vindo no tempo, reapresentam várias situações de outro ponto de vista e encaixam as peças do atropelamento de um ciclista, ocorrido logo no início do filme.
Dirigido por Paolo Virzi, co autor do roteiro adaptado do livro Human Capital, de Stephen Amidon, Capital Humano chega ao Brasil com cerca de dois anos de atraso, mas nunca é tarde para corrigir uma injustiça com um belo filme. Não se engane com a sinopse ou mesmo com as apresentações dos personagens na trama, pois as coisas não são nem um pouco óbvias quanto parecem à primeira vista, tampouco esses personagens se acomodam no estereótipo.
O texto, já bem resolvido, é valorizado pelos atores, a começar por Fabrizio Bentivoglio como Dino, que poderia facilmente escorregar para a caricatura, mas se mantém naquele limite reconhecível. Valeria Bruni Tedeschi entrega uma Carla com mais camadas do que a simples trinca casada/rica/infeliz, assim como o Giovanni de Fabrizio Gifuni, alguém com todos os vícios e preconceitos de uma elite endinheirada. Cabe a Serena, vivida por Matilde Gioli, um peso e tanto no terceiro ato, para finalizar este retrato verossímil das relações movidas a dinheiro, tarefa que a atriz desempenha muito bem. Vale observar também que a madrasta de Serena, Roberta, interpretada por Valeria Golino, tem a presença de sua personagem justificada ao longo do filme, como também serve para introduzir mais um, que se revela um componente essencial e cativante desta crônica, mesmo com pouco tempo de tela.
Fora costurar a trama de forma não linear, o filme não se preocupa em fugir do tradicional, pois tem um trabalho de câmera e uma fotografia bem sóbrios, sem apoiar-se em algum recurso estilístico que não contribuiria em nada. O diretor mostra segurança, usando muito sutilmente a trilha sonora e conduzindo a narrativa de forma segura e fluida pelos seus 111 minutos, provando mais uma vez que não é necessário inventar muito quando se conhece bem a linguagem. O interesse pelo destino destas pessoas é mantido até um final que traz sentimentos ambíguos, quebrando várias expectativas.
Capital Humano não é apenas sobre esse micro cosmo europeu, mas também sobre todo um momento político e econômico, consequência do tipo de mentalidade representada ali. Não apenas isso, sua relevância não se restringe à situação da Itália ou de todo aquele continente, pois existe a questão humana por trás disso tudo. Parando para pensar um pouco mais, essa troca de perspectivas, entre o trio principal, nos lembra que temos a mania de julgar de forma apressada, algo que pode nem ter sido proposital, mas torna-se mais uma qualidade da obra como um todo.