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Boneco de Neve – Um livro que não conseguiu ser filme!

Do livro para o cinema, Boneco de Neve se perde na adaptação

O primeiro susto acontece já nos minutos iniciais. O modo como a primeira cena é montada, com cortes apressados que matam qualquer possibilidade de construção de clima, assusta pela possibilidade de o filme todo ser tão ruim quando seu começo. Dá medo. E, infelizmente, o que vem a seguir não melhora muito.Boneco de Neve (The Snowman) é uma adaptação do romance policial homônimo do escritor norueguês Jo Nesbø. É o sétimo livro de uma bem-sucedida série (já são mais de dez volumes) que traz como protagonista o detetive drogado e alcoólatra Harry Hole, no filme vivido por Michael Fassbender (de Alien: Covenant e Assassin’s Creed).

Crítica de Boneco de Neve

Boneco de Neve

Na capital Oslo, mulheres começam a desaparecer quando um boneco de neve é deixado na frente de suas casas. Ao mesmo tempo, o detetive Hole recebe uma carta anônima antecipando os crimes. Ele ainda tem de lidar com o vínculo afetivo que criou com o filho de uma ex-namorada, interpretada por Charlotte Gainsbourg (de Ninfomaníaca), e com a detetive Katrine (Rebecca Ferguson, de Vida), recém-chegada à cidade.

Há muitas coisas que não funcionam neste filme, a começar pela sequência inicial. Ela, na verdade, é só o indício do que há de mais grave no modo como a história é contada. Ou, melhor dizendo: tenta ser contada. E esse grande problema se resume à sua montagem.

A linguagem cinematográfica

Todos nós sabemos que são muitos os elementos que compõem a linguagem cinematográfica. Mas nada é mais elementar, quando se quer contar uma história a partir de imagens, do que a forma com que as imagens são ordenadas. Daí em diante, podemos falar do plano, de sua duração, do modo como é cortado para determinar o ritmo e, de forma mais elaborada, a atmosfera, o sentimento e a emoção que se quer passar com essa montagem.

Em Boneco de Neve nada disso parece estar sob o controle de alguém com essas noções. O que é absolutamente surpreendente, porque por trás do projeto há Martin Scorsese como um dos produtores executivos e a edição do filme é assinada por dois nomes de muito peso e currículo: Thelma Schoonmaker (três Oscar e sete indicações por filmes como Touro Indomável e Os Infiltrados) e Claire Simpson (duas indicações ao Oscar e uma estatueta na estante por Platoon). Completa esse quadro a direção de Tomas Alfredson, diretor de um do melhores filmes de vampiro dos últimos anos, Deixa Ela Entrar, e de um drama de espionagem muito correto, O Espião de Sabia Demais.

Crítica de Boneco de Neve

Mesmo com essa “carteirada” de nomes, o resultado da montagem e da direção beira o constrangedor. Não há entre os planos um encadeamento fluido, capaz de construir a atmosfera que um filme policial precisa. Mesmo entre as cenas, a coesão é frágil e a história ainda faz idas e vindas temporais colocadas de modo que pouco ajuda na costura de uma trama que se propõe intricada.

Embora nada disso impeça que se acompanhe esse pequeno labirinto de crimes e suas relações com os personagens, a superficialidade do desenvolvimento de todos impede que se tenha alguma empatia, ou mesmo que se admita suas ações como razoáveis. Em alguns momentos, chega a ser ridículo. Como quando um deles, em um mundo de smartphones avançados, optar por filmar escondido usando um trambolho do tamanho de uma bolsa grande, que é um equipamento cedido pela polícia.

Alcoólatra na sarjeta

O protagonista, por exemplo, é um alcoólatra. Por duas vezes aparece dormindo na rua por causa da bebida. No entanto, nem a ex-namorada, nem o filho dela, nem ninguém parece perceber isso ou dar importância. O que é pior: nada desse comportamento parece afetar sua vida para além das cenas em que ele é mostrado na sarjeta.

É como se o filme presumisse que o público já leu os livros todos. Além do problema com a bebida não ser explicado ou desenvolvido, o passado do personagem é “construído” em uma única linha de diálogo, quando se diz que seus casos anteriores são objeto de estudo na academia de polícia. E só.

Nem a presença de dois bons atores, como Fassbender, Gainsbourg, por exemplo, salva. Todos parecem atuar oscilando entre o piloto automático e o caricato, com diálogos sofríveis.

Para que não se perca toda a esperança, o filme guarda duas ou três cenas de suspense de qualidade razoável. Uma delas é o impacto causado quando se descobre qual instrumento o assassino utiliza para matar e cortar suas vítimas. A natureza de seu funcionamento associada ao trabalho de desenho de som para ressaltar seu efeito é algo francamente aflitivo.

Crítica de Boneco de Neve

Nas entrelinhas, a história tem ainda a pretensão de trazer para a pauta uma discussão sobre paternidade, abandono e relações afetivas complexas. Dos abusos à uma moralidade flexível, ou comportamentos socialmente reprováveis, ao conservadorismo católico. São questões que tentam pontuar a trama, mas não encontram qualquer chance de serem bem resolvidas em uma narrativa que mal resolve seus próprios personagens.

No balanço final, levando-se em conta a origem literária da história que Boneco de Neve tenta contar, fica a sensação de que algo deu muito errado na adaptação do livro para o cinema. Um conflito de linguagens que resultou em algo sem personalidade e um tanto perdido no que quer ser. Aqui, adaptação parece ser a palavra-chave, pois a sensação que fica é que não se tentou adaptar, mas apenas transpor. Isso não funciona. Como quando uma criança brinca de encaixar peças geométricas e o quadrado não encaixa no triângulo. Do livro para o cinema, é o que parece ter acontecido.

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