Asako I & II é a prova cabal de que japoneses não entendem muito de romance
É curioso como certas características culturais acabam se sobressaindo nas tradições artísticas de um povo. Muitas vezes, independente do esforço, parece que temos dificuldade de nos conectarmos com certas empreitadas oriundas de determinados lugares. O cinema japonês é um estudo de caso: suas tradições contemplativas, sempre apenas um passo distante da melancolia, tornam o arquipélago o lar de alguns dos maiores escritores e intérpretes dramáticos do mundo. Em compensação, suas ressalvas e imposições aos espaços particulares e relações interpessoais os tornam vagos pensadores do romance. É nessa fresta criativa que reside Asako I & II, de Ryusuke Hamaguchi.
Asako (Erika Karata) é uma garota introvertida e silenciosa, mas de uma beleza hipnótica. Certa feita, ela conhece Baku (Masahiro Higashide), um jovem extremamente atraente, mas de espírito livre. Apesar dos avisos de seus próximos para não se envolver com Baku, Asako decide investir no romance. Durante um breve período, o relacionamento dos dois é digno dos sonhos idealizados de qualquer pessoa.
Entretanto, o inevitável acontece e Baku simplesmente some sem deixar qualquer pista. Com o coração partido e assombrada pela memória do romance, Asako se muda para Tóquio e tenta cortar qualquer tipo de laço com aquele período da sua vida. Mas o destino parece pouco disposto a dar uma trégua para Asako, e surge em seu caminho Ryohei. O rapaz é uma duplicata física de Baku, mas com uma personalidade diametralmente oposta. Entre idas e vindas, Ryohei consegue superar a misteriosa resistência de Asako e os dois engatam um romance estável, apenas para colocá-lo à prova contra as memórias do passado.
Curiosamente, a primeira referência que nos vêm com tal trama – a ideia de um relacionamento distorcido com uma “imagem espelho” – seria Um Corpo que Cai. Mas, da mesma forma que o sexo espelhado aqui é o oposto, qualquer tipo de pretensão da narrativa também é qualitativamente espelhada, só que para pior. A construção da relação entre Asako e Baku e seu abrupto fim propõe uma ideia interessante: a frugalidade dos relacionamentos é a frugalidade dos sentimentos, e o amor é apenas o outro lado da moeda da melancolia. Quando Ryohei é introduzido, supomos que a narrativa irá mostrar uma relação dialética entre o amor e a dor. Seria um clichê, mas dentro do desenvolvimento posterior, talvez tivesse sido melhor assim.
O pior de dois mundos
Imediatamente após o surgimento de Ryohei, o filme de Hamaguchi se torna um melodrama novelesco que não deixa nada a desejar para nenhum folhetim medíocre da TV aberta brasileira. O fantasma de Baku não é superado através de atitudes, mas de recursos do roteiro que o espectador simplesmente tem que aceitar. Quando, no último terço do filme, surge um conflito, a história já havia se tornado há tanto enfadonha que o sofrimento da protagonista ganha um viés sádico para quem assiste, ao ponto de torcermos para que todas as suas escolhas e atitudes resultem no pior fim possível.
Um elemento que potencializa o tédio é a duração do filme. As indecisões de Asako se estendem por intermináveis duas horas, que poderiam facilmente ter 40 minutos a menos, sem prejudicar em nada a narrativa. A ideia do título é apontar o comportamento distinto de Asako entre Baku e Ryohei, mas pode ser muito bem uma metáfora irônica para o fato de que parece que assistimos dois filmes chatos em um. Algumas sequências, como a do porto, se estendem por quase 15 minutos. Ao término da sessão, percebemos que toda a história serviu para introduzir um personagem insignificante e com um função extremamente específica, que poderia ter sido resolvida de uma centena de maneiras diferentes. Esses excessos narrativos, associados à completa falta de empatia com os protagonistas, torna Asako I e II uma experiência de melancolia – para o espectador.
No meio do enfado, o que se salvam são as atuações. Karata precisa se esforçar muito para absorver as expressões de Asako e tentar transmitir qualquer coisa em duas horas de uma narrativa vazia. O fato de que sua atuação consegue sobreviver a tudo isso é uma prova de seu talento. Já Higashide consegue construir dois personagens totalmente diferentes sem cair na canastrice. Baku, apesar de exagerado, é crível, assim como seu Ryohei é o personagem mais remotamente relacionável na trama por ser um dos poucos que se comporta como alguém normal.
Asako I & II é a prova de que certas escolas de cinema, por melhores que sejam, têm suas lacunas. Romances são a lacuna japonesa. Nada nos tira da cabeça, que se todos tivessem morrido ao final, na bela tradição japonesa da tragédia e desgraça, teríamos nos divertido muito mais…